segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O tempo, seus sentimentos e o sofá vermelho

Você vem correndo com passos fortes e afobados de um inocente injustamente julgado, e agora fugitiva sobre o sofá vermelho se joga, como quem em desespero quer sumir, mas não sabe para onde ir.

Então te vejo chorar, lágrimas de desamparo te escapam dos olhos arrependidos e escorrem sofridos por tua pele envelhecida. Escuto tuas lamúrias, enquanto isso na parede ao lado o relógio dita o tempo, que irreparável se perde no pulsar dos segundos, dos minutos, das horas, dos dias, dos anos e de toda sua incerta vida.

Envolvida e afundando nos seus pensamentos de vítima, deita-se com seu longo vestido preto e dobra-se como um feto desprotegido. E assim, meio inconsciente, lamenta aos prantos o funeral da sua essência e a morte do seu próprio presente.
Este que lhe atormenta, condenado pelos anseios e erros do passado e subjugado pelas inevitáveis conseqüências que te esperam no futuro.

Sinto que os ponteiros devoram insaciados a vivacidade de sua alma e a polidez de seu corpo. E já não há passado glorioso para qual, em memórias, você possa escapar. O presente avança para o futuro a cada instante, e toda alegre surpresa de viver se perde em meios a devaneios de sua mente mórbida.

O tempo devora sua vida e sua mente devora a você, ao passo que, seus olhos escorrem em águas salobras e impregnam sua face com a quentura úmida dos seus sentimentos...

Enquanto isso, na parede ao lado...

Tic-tac
tic-tac
tic-tac...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

blá blá blá

A sala é gelada e o professor dita física. Palavras organizadas, idéias sensatas e o bem polido embrulho científico aos poucos vão perdendo a solidez, o sentido se dissipa e a forma se deforma até resultar num distorcido blá blá blá.
Força de Atrito, Força da Gravidade, Força Motriz. Me vejo triste, cansada, sem energia, sem vida.

Então imagino um lugar onde eu possa me sentir bem. É um suave som de piano que vem se encorpando. Em minha alucinação aquele velho piano quebrado e esquecido no canto da sala ganha vida, e o ar de sua graça me faz sorrir. Pois enquanto aquela boca muda, cheia de razão, articula as velhas e chatas teorias, floreadas com fórmulas decoradas de livros embolorados, ouço a bela música que toca ondulante navegando pelo ar.

Surge uma floresta densa e úmida... Não, úmida não, seca.
Uma floresta bem espaçosa e seca, repleta de árvores com folhas amarelas, vermelhas, verdes e azuis. Um chão de terra forrado com folhas coloridas que se quebram em som crocante ao pisar sobre elas.
Deito sobre esse chão e sinto o cheiro da madeira ao redor, observo o céu amplo e limpo, enquanto feixes de luz atravessam as copas e iluminam meu corpo, tornando-o quente e agradável.
Eu relaxo, agradeço silenciosa e durmo profundamente.

Acordo feliz, levanto, me estico, caminho lento entre as plantas, descubro uma área mais aberta. Há um poço ali, fixado bem no centro do lugar. Atravesso a extensão, me aproximo e debruço em sua beirada, sinto a pressão do tijolo frio em meu peito, meu coração pulsa contra essa superfície; coeficiente de atrito.

Então deixo meu corpo se desequilibrar e cair na escuridão do seu interior. Poço a fundo eu me afundo, leve, rápida, calma e feliz. A força pesada da gravidade age sobre meu corpo, mas é ausente no meu coração.
No momento do impacto, abro os olhos, a escuridão é invadida por um clarão angustiante, é a lâmpada; luz forte, irritante, constante.

Ainda estou na sala, o professor também, e dita:

“ ...Móvel A percorre distância X...

...Sofre força contrária no ângulo tal... “

Meus olhos pesam.

“...Perdendo impulso inicial...

...Vai entrando lento na floresta...

...Amarelo, vermelho, verde e azul...

...Folhas que se quebram...”

E o som do piano novamente vem vindo...

“...Blá blá blá...”

...Suave em ondas volta a compor a música que, embalando meu sono, sobre a carteira e o caderno me faz dormir...

domingo, 22 de agosto de 2010

Presente de Vento - Parte III



Voltei para casa em tão perfeita harmonia, que não havia desgraça em volta que me atordoasse.

Eu observava tudo com uma imparcialidade alegre, poupei minha mente das críticas, que afinal, eram em vão. A medida que eu caminhava fui compreendendo que apesar de todos os pesares, essa é a sociedade na qual eu nasci, e muito provavelmente na qual morrerei. Compreendi que eu não devia me apegar tanto e almejar com desespero uma "nova era", pois ela dependia de toda sociedade e muito poucos estavam dispostos a sacrificar seus velhos costumes. Talvez viver em prol desse ideal, mas não esperar com tantas espectativas por sua realização.

Toda insatisfação dentro de mim distorcia as coisas ao redor, me fazendo perder de viver pequenas maravilhas que aconteciam o tempo todo e que não dependiam de nenhuma lei de oferta e procura, e nem tinham a ver com vendas, mesquinharias ou lucros.

Dois pequenos pardais brincam numa poça de água.

Não são apenas pássaros comuns, são duas vidas, dois indivíduos que à morte terão que ceder, assim como eu. Mas cada um deles vive a coletividade com tamanho envolvimento e usufrui das possibilidades de sua própria natureza com tanta fluidez, que nada mais poderiam almejar e por nada poderiam lamentar no momento de suas mortes.
Enquanto eles brincam, vejo que a morte está presente ali, mas isso não os impede de estarem plenos. Talvez porque eles não a percebam, talvez.

Será que a nós humanos, com tanta consciência da nossa mortalidade, podemos viver intensos, plenos e integrados entre nós mesmos e entre a natureza, assim como aqueles pequenos pássaros?

Sinto nesse momento que sim, pois é justo essa consciência de que podemos morrer a qualquer momento, que pode nos fazer plenos a todo instante, como se fosse o nosso último.
Não posso falar em nome de toda humanidade, mas falo por todos que enxergam ou querem enxergar além de como prega a nossa cega cultura.
E a perda foi essencial para que esse bem maior eu ganhasse.

Cheguei em casa, e nada era como antes eu costumava achar que era.
Entendi que se as coisas estavam amorfas, então eu teria que dar movimento e vida à elas.
Os livros e as revistas, todas elas foram lidas, li com gosto, degustando cada palavra, cada informação, cada descoberta, por mais tola que ela fosse com um prazer que nunca antes havia sentido.
Dei sentido a todas quinquilharias, fiz arte com elas, dei vida. Nada mais estava ali apenas por estar, ou porque ninguém mais as tirava dali. Assim, fui abandonando a inércia.

Se olhar as vitrines me faz mal, não as olho mais. Observo o chão, as pedrinhas, os musgos, as formigas. Admiro o céu, me permito voar com as nuvens e com as aves.
Se não há árvores, se não há bela natureza, viajo pelos cinzas dos prédios, pelas fissuras das estradas e reflexos dos vidros.

Qualquer coisa me enche a vista , e se pensar no que eu vejo me revolta, então não penso. Apenas obeservo, e alguma poesia consigo arrancar sutilmente dali.

Redescubro as cores, as formas e os movimentos, misturo, inverto e exploro os sons, decifro e busco os cheiros, me aproximo e experimento através do tato e as degusto quando sempre que é possível. Brinco com tudo, e isso me faze sorrir, me faz feliz.
E se mesmo assim eu me sentir sozinha, busco em minhas preces um amor maior, sem depender de crenças dogmáticas, definições ou religiões. Apenas evoco em mim o sentimento de gratidão por tudo aquilo que me faz sentir viva.

Tanto envolvimento e prazerosa dedicação às possibilidades dos meus cinco sentidos, me trouxe a mágica e misteriosa capacidade de desfrutar e depurar aquilo que chamam de sexto sentido.

Mas essa é outra história...

O que eu queria contar mesmo, eu já contei. Gostaria de terminar aqui, mencionando minhas últimas palavras, com muita sinceridade e boa intenção.
Não espere perder algo para dar o valor que ele merece, pois o que voce perder pode não retornar. Páre de apenas pensar e desejar, olhe ao redor, feche os olhos, ouça o vento, sinta.

Sinta o ar entrar, te renovar a cada inspiração. Se você tem dúvidas, sinta seu coração pulsar e deixe que suas batidas guiem seus pensamentos e seus atos.

Há muita sabedoria dentro de nossos corações, e não há segredos que nós mesmos não possamos descobrir. Só é preciso por insistência e humildade aprender a parar, e os olhos rotineiros fechar, para então melhor enxergar.

Todo resto é consequência...

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Presente de Vento - Parte II



Desde então,lá vem o clichê, tudo mudou.

Não gosto de dizer que perdi algo, prefiro assim afirmar que o que eu tinha se expandiu, se alternou de um modo para outro, a fim de me mostrar as coisas além de como as conheço. Isso provocou em mim uma transformação muito mais profunda do que apenas adaptações diante das novas e inusitadas circunstâncias.

No dia em que deixei de usar os olhos, passei a enxergar com os ouvidos, com o olfato e com o corpo inteiro.

Ninguém soube dizer que foi que aconteceu comigo, nada de anormal havia com meu cérebro, nenhuma atrofia nos meus olhos. Os médicos chamaram de cegueira traumática, minha psique simplesmente recusava-se a interpretar o lá fora com imagens. Essa função estava por tempo indeterminado em greve.
E os terapeutas não souberam dizer com o que afinal de contas minha cegueira estava traumatizada. Quando comentei sobre o que eu acreditava ter sido uma intervenção do Vento, passaram a desconfiar que seja qual fosse o trauma, tenha sido tão forte que estava afetando minha razão.

Considerada instável e cega, não esperavam de mim mais nada muito coerente. Então rapidamente o fato de não mais enxergar foi me parecendo mais e mais agradável, já que eu andava tão insatisfeita com o que eu via ao redor e não suportava mais ter que corresponder com as egoístas expectativas alheias.
Livre da aprovação e julgamento, e despida da minha própria auto-imagem, passei a explorar as novas possibilidades da experiência, com o que eu acreditava ser a total liberdade pessoal.

Minhas manhãs eram incomparáveis. Comecei a distinguir cada canto de cada tipo de passarinho e cada som que fazia do raiar um novo começo.
Os sons que vinham de dentro de casa, e os que vinham das ruas. Os sons que resultavam de cada movimento que eu dava; o farfalhar das roupas e dos cabelos, o arrastar dos chinelos, o roçar da pele, o estralar dos ossos.

Durante as sessões com a terapeuta, eu descobria a minha voz. Falava e falava, não tanto para desabafar, mais para testar os vários tipos de entonação. Fazia uma pausa dramática, para criar um clima, e voltava a falar coisas que muita das vezes nem eram verdade.

Ouvir os outros conversarem havia se tornado uma diversão, eu viajava pra variados lugares de acordo com quem falava, o tom me provocava sentimentos, não escutava mais as palavras, escutava a intenção e intensidade.
O mesmo acontecia com os cheiros e com o tato. Cada detalhe me arrastava junto com ele, e por um momento ou mais eu me tornava aquilo que sentia. Andar nas ruas era um desafio, tropeções e quedas, cada passo com sucesso era um bom motivo para me motivar. Mas também era um turbilhão de sensações. Os relevos, os sons, os cheiros, enfim, tudo o que faz parte de um cenário atuando uníssono nos nossos cinco sentidos e conseqüentemente passando despercebido, se tornou fragmentável e intensificado.
Sem a visão unindo tudo de uma forma óbvia e esperada, meu senso de realidade se abstraiu e se reestruturou de uma forma que nunca poderei descrever realmente.

Descobri que mesmo no escuro há uma explosão de movimentos, formas, cores e luzes.

O clímax da experiência se fez num dia que ficará marcado, assim como tudo o que presenciei, na minha alma. Resolvi, depois de um longo tempo, ir ao lugar em que mais em paz eu me sentia quando das imagens eu fugia. Caminhei até o trapiche, dessa vez bêbados estavam presentes apenas no cheiro e grunhidos, não era mais repulsa que eu sentia, eles haviam se tornado sensações arquivadas na minha enciclopédia mental de exploração.
O fim de tarde que eu presenciei, foi até mais incrível dos que eu antes presenciava. As imagens foram substituídas por ondas de energia, que emanavam de todo cenário em minha frente. Os cheiros, a brisa, e o calor do sol poente se encontravam em tão perfeita união que pareciam um só ser e parecia me abraçar, se fundindo em mim num misto de descoberta, alegria e gratidão. Era a vida, nada mais.

A brisa aumentou, se encorpando em vento, crescendo junto com minha emoção, e ali, no momento da minha mais repleta satisfação e exaltação, abri os olhos e fui invadida por luz.

A visão voltara.

E após um momento de intenso clarão, vi que a paisagem estava mesmo tão linda quanto eu imaginara.

sábado, 14 de agosto de 2010

Presente de Vento - Parte I



Odiava andar nas ruas, olhar para os lados e só ver vitrines. Ver roupas, moda, padrões, superficialidades e um consumismo absurdo enchendo a cabeça de todo mundo.
Ver pessoas cheias de estilo, ornamentando seus corpos com idéias de si mesmos que são vendidas ali na esquina, a quem puder comprar.
Pessoas que, apesar de dois olhos, não enxergam que por trás de toda beleza e conforto vendido por esse sistema há escravidão, pobreza e desgraça. E que há gente mesquinha e ordinária, também muito bem ornamentada, cedendo infames por mais vendas e lucros.

Pois se elas vissem como eu via e sentissem como eu sentia. Olhariam para os lados, e ao invés de ficarem atraídas, ficariam enojadas.

Então eu fugia. Queria esquecer toda falsidade estampada nos sorrisos das propagandas, de toda mesquinharia, hipocrisia, culpa e desespero impregnado nos outros e inclusive em mim.
Corria até a beira-mar e até lá eu me incomodava, eram bêbados caídos pelo chão, arrastando-se como restos de gente, gente que aceitou se entregar a qualquer merda na vida.

Afastava-me o quanto mais; subia no trapiche que se estendia sobre o mar e lá enfim eu me dissolvia em prazer. Eram o fim de tarde, as montanhas, o mar, o sol se recolhendo e todas as cores refletindo. Eu sentava, deitava, e sentia a brisa arrancar de mim todo sentimento de revolta. Meus olhos naquele momento me traziam paz pelo que eu via, e não mais agonia.
A solidão ali era a companhia mais agradável e meu único lamento era saber que logo eu teria que voltar...

Minhas manhãs eram quase sempre iguais.

Abria os olhos, e a claridade que entrava no quarto me fazia querer fechá-los novamente, ela parecia me mostrar tudo o que eu não queria ver.
Era um novo dia, e eu já acordava cansada. Cansada de tudo o que eu já sabia que veria e passaria ao longo do dia, de todas as coisas que eu já tão bem conhecia. Até a bagunça no quarto me perturbava logo cedo, eu o vivia arrumando, mas parecia nunca ficar limpo. Não era a sujeira, eram todas as quinquilharias sobre as estantes, livros e revistas que eu não lia.
Gostaria de um dia acordar e nada ter ali, acordar sobre o chão frio; o vento teria levado tudo embora e deixado para mim somente a aventura de viver cada dia sem nada nos bolsos, e nem linhas nas mãos.
Apenas a vida, nada mais.

Certo dia, sem aviso, e nem nada, eu acordei e nada havia ali.

Abri os olhos e tudo continuava na mesma escuridão. Esfregue-os, mas nada.
Eis que intuitivamente compreendi; aconteceu que dormi com a janela aberta, o vento me visitou e o que ele levou embora consigo, foi a minha visão.
Não acordei sobre o chão frio, foi uma forma estranha de atender meus pedidos silenciosos.

Continuei deitada, absorvida por aquela sensação totalmente nova. O que me atingiu não foi desespero, não gritei e não saí correndo às cegas. Limitei-me a ouvir os pássaros a cantar, fazendo da minha manhã um show de sons nunca antes por mim percebido, se quer admirado. E sorri humilde diante da bela ironia, a surpresa de um presente inesperado fez da minha manhã o começo de algo realmente novo...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Camiinha Vento sem Rumo!

Apenas para registrar o dia 11/08:

Estava agora sentanda no banco da faculdade, postando o texto do post abaixo e um amigo ao lado olhando, perguntou:

-Desde quando você tem esse blog, Carolina Maravilhosa?

Eu parei, pensei... Não soube dizer. Então voltei até a última postagem e descobri que logo hoje está fazendo 1 ano de existência!

- Faz 1 ano logo hoje!!!

Ai então eu gritei:

-Feliz aniversário Vento Sem Rumo!!!

Todos em volta olharam, até os professores, diretores, estranhos e animalzinhos, sorriram, e começaram a cantar e dançar ritimados e sincronizados um ''Parabéns pra você''.

hehehehe
Brincadeira, ninguém dançou, e eu também não gritei. E o 'Carolina Maravilhosa' foi exagero meu.

Mas hoje é mesmo seu primeiro aniversário! Faz 1 ano que esse vento caminha sem rumo... ^^

Obrigado Ellyan, por me lembrar desta data milagrosa. Que Deus lhe pague, com um bom tratamento psiquiátrico.

E Obrigada também aos que me acompanham! Gosto muito de vocês! :D

Bueiros

Quando estou voltando para casa à noite, atravessando as ruas escuras da vila, é como se um clima ali se criasse. Não como num filme de suspense, no qual parece que algo assustador está para acontecer, tão menos de terror, que é pesado, apelativo e cruelmente ameaçador.
É um clima de um tipo de filme que ainda não foi criado, mas que se fosse feito, focaria o momento em si, explorando todas as variáveis e possibilidades de um instante, sem se importar em delimitar uma história com começo, meio e fim.

As ruas estreitas, escuras, melancolicamente iluminadas por postes sujos de luzes alaranjadas medianas quase fracas. Casas já reclusas, cortinas fechadas, por vezes entreabertas, claridades mudas de televisão piscam entre as frestas. Cachorros atrás e em frente aos portões, grandes, médios, pequenos, deitados, dormindo, em pé, circulando, vigiando em alerta. Olham-me de relance, eles não latem e não me avançam, ainda bem.

Talvez por eu caminhar lento, abaixar a cabeça, me curvar ao silêncio, demonstrar respeito. Não, medo não. Eles desprezam o medo, atacam-no.

Caminho sobre a calçada, em baixo dos postes o concreto brilha sob meus passos, parecem milhões de lasquinhas de vidros, refletindo a falsa luz como fazem as purpurinas .
Tudo em volta obscurecido, em preto, apenas o brilho do chão, uma música, um caminhante. São centenas de cenas que se criam na mente, seguidas, se sobrepondo, relacionando-se, num fluxo involuntário.

A cada esquina que viro, já sei o que vou ver, tão bem conhecidas, todos os dias, todos os dias. Mas o clima sempre é igualmente envolvente, como se ainda fosse a minha primeira vez ali.

Há bueiros a cada rua que passo, eles escorrem por dentro e eu os escuto. Durante o percurso são suas lamurias que preenchem a quietude da noite, parece córregos, pequenas cachoeiras que inundam o subsolo, num constante correr de nossas águas sujas.
Há noites em que eles choram apenas aos pingos, a cada três passos que traço é uma gota que escuto cair.

E o som ecoa em minha mente, reverbera no meu corpo e chicoteia entre os muros até se perder desgastado na extensão do asfalto solitário.

Certa vez eu parei para conversar. O bueiro implorava para que eu ali parasse. Fiquei um instante em repouso total esperando ele pingar. E logo pingou.
-Ping – De imediato lhe respondi.

Ele agradeceu a atenção, então continuei a andar.

-Pobre bueiro - pensei solidária delirante - todos pisam nele, ninguém pára, ninguém se importa.

Gosto de bruscamente parar enquanto estou andando e ali estagnada ficar por um momento. Tudo continua a acontecer, mas eu parei. De repente, de agente, passei a ser apenas um observador. Sinto que tudo em mim se estagna junto, quase posso ouvir a freqüência cerebral entoando agudo em meus ouvidos. E tudo ao redor se intensifica, o silêncio passa a ter uma presença repleta de movimento.

As sensações de perigo e o medo dão as caras, não há ninguém à vista, me sinto vulnerável ali parada, ameaçada e agoniada, mais uma vez centenas de cenas turvam a lucidez. Volto a caminhar com pressa.

Antes de abrir o portão, ainda sento no chão e curto mais um pouco daquilo que parece ser uma dilatação na percepção.

O poste sobre mim pisca, ameaça se apagar, parece estar me expulsando.

Levanto , destranco o portão, abro, fecho, tranco o portão.

Acabou o filme.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Dissolvendo

Fui atingida.

Meu olhar se perde na indecifrável neblina dos sentimentos, sinto como se meu coração derretesse lá dentro, transformando-se num líquido quente que escorre e envolve tudo em mim.

Apago as luzes, deito sobre o chão sentindo a minha forma se perder no silêncio que agora se expande de dentro para fora. As sensações se confundem, é um calor, é um dissolver.

Tudo o que me martelava á instantes atrás simplesmente virou nada.

Os pensamentos se perdem das sinapses, o padrão perde o sentido. As letras, as frases, os textos, as obrigações, as expectativas , o dia após dia, o roteiro que guia a rotina, vejo tudo isso perder a solidez que antes os fazia vivos e constantes em minha mente.

As dores latejam, se manifestam livrando-se das garras da repressão. E elas querem me dizer algo. Eu sei que querem.

-Chega, chega, chega.

Agora as escuto, elas suplicam pelo fim de tudo o que me faz mal.

Chega? Mas tudo pra mim mal começou... E eu já nem agüento mais?

Penso nas pessoas, penso em todas as pessoas, suas dores gritando pelo mesmo fim. São gritos abafados sob quilos e quilos de obrigações, toneladas de erros, culpas e vontades reprimidas. O choro parece inevitável, é solidariedade, pena, não sei, talvez uma profunda identificação com tudo o que as prende. São as leis dos homens atando suas próprias mãos, oprimindo-nos assim como os negros um dia foram oprimidos. Levantamos castelos, levantamos muros, rocha sobre rocha, todos os dias nos sacrificando, nos mutilando, levando chicotadas, para então ali nos isolarmos. A solidão é a penitência por não termos nos manifestado. Não queremos viver cercados por paredes impregnadas de dor, mas não vemos escolhas e nos entregamos.

E falo por nós, porque eu e você carregamos a humanidade na alma, e carregamos todas suas escolhas nas costas. Alienarmos-nos dessas escolhas é negarmos a nós mesmos, é fechar os olhos para o que constitui a base de nossa – pseudo - individualidade.

Queria que isso fizesse mais sentido do que lendo superficialmente parece fazer. Porque são palavras que fluem e o que é espontâneo, acredito, tem muito mais sentido e verdade do que pensamentos formulados, estruturados, revisados, organizados.

Desejaria que todos agora sentissem seus corações derreterem, que deixassem suas resistências caírem junto com tudo o que tem lógica e que se julga necessário. Que deitassem todos no chão da vida, e para arrebentar essas amarras emboloradas que tanto nos fazem mal, que permitissem o calor e o silêncio enfim se expandirem.

Acredito que eles têm muito a nos mostrar e querem muito o fazer...

domingo, 25 de julho de 2010

Universo: Ônibus



Oi Pessoal!
Ando meio sem inspiração ao longo desses dias, algumas chateações tem me tirado a vontade de pensar e escrever. É fase, implicâncias da vida, logo passa.

Foi difícil para mim botar isso aqui para funcionar, minha mente andava preguiçosa e eu não tinha saco, nem tempo pra ficar divulgando o blog em comunidade.
Mas com um pouco de insistência, com ajuda de Zeus; o rei do trovão( aleluia, senhor! ), e a atenção de pessoas muuuuuito legais, sensíveis e inteligentes que aqui acompanham ( a ênfase no muito, não foi ironia! ^^), o blog deu uma engrenada...
Então, não queria deixar aqui no vácuo, pra não acabar morrendo( o blog, não eu! o.O)...
Então, resolvi postar uma coisa ( eu não ia postar ) que tinha escrito num dia de bom humor ai...
É meio ( quase inteiramente) idiota, mas pra alguém ( que for abobado) pode servir para alguma coisa, assim como serviu pra mim ( que sou abobada ).

P.S.: Ta meio mal escrito, é que tá frio,to com um pouco de preguiça de corrigir o texto e descobri ontem que estou com câncer na cabeça...



- Calma, é brincadeira. há.
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Quem ai anda de ônibus?
Eu ando/- Tristeza não tem fim, felicidade sim...

Pois é, volta e meia tenho que enfrentar o busão para estudar e são praticamente 1:30hora de ida e a mesma coisa a volta, em resumo: 3 horas durante os dias de ônibus eu passo sentada com a mente perdida e um baita encomodo na bunda ( tá, tá, glúteos), costas e pescoço.

Tanto tempo e tanto dinheiro ( 3 e 55 a passagem, absurdos que se perdem em caixa dois ) não podem ser inútil, ou tão mal aproveitado, como ficar pensando : que merda de banco duro, porcaria de motorista, quanta gente fedida, pelamordedeus abram as janelas, calem a boca, quero dormir, velha maldita daqui eu não levanto, ai que dor...
Então me ocorreu escrever sobre algumas coisas que eu faço e que todo mundo pode fazer quando não suportar o tédio do ônibus ( já que ler no sacolejo é um grande desafio ).
Não são idéias maravilhosas, são bobeiras que descobri na rotina,pois de tanto não ter nada o que fazer, a mente acaba achando com o que se distrair e as vezes até acabo me divertindo, se não rindo, sozinha.

Hoje, durante a ida, eu embarquei numa coisa muito idiota, mas foi divertido ( ou quase ).
No eterno mar de tédio onibusal cujo qual eu me encontrava boiando, enquanto olhava tudo correr janela a fora, já sentindo o estomago reclamar num embrulho, sem querer encontrei uma sujeirinha no vidro da janela, um pouco acima do nível dos olhos, e debilmente fiquei observando ela.

O engraçado é que ela tinha forma de um animalzinho ( noossa, super engraçado), e de tanto olhar, percebi que ela parecia correr contra tudo o que estava lá fora. Ai reparei que quando minha cabeça se mexia pro lado ou pro outro, pra cima ou pra baixo de acordo com a movimentação do ônibus, vi que o pontinho respondia ao contrário ao movimento do meu olhar ( oh, descoberta incrível ).
Se abaixava um pouco a cabeça o pontinho subia em relação as coisas do lado de fora, o contrário acontecia se eu levantava a cabeça, e o movimento para frente e para trás ( em sentido paralelo ao vidro ) correspondia com a desaceleração e a aceleração do pontinho em relação aos objetos de fora.
Então me ocorreu transformar minha incrível descoberta- meu pai se chama Newton- num game real! *_*

Como o ônibus anda devagar e as vezes parando, fica fácil brincar com isso.
No caso, eu sou o pontinho e posso correr, pular, voar, por cima das casas e prédios lá fora. Hehe
Foi totalmente retardado o negócio, porque eu me enpolguei e tava empenhada no desafio. Baixava e levantava, ia pra frente ou pra trás com a cabeça pra controlar os movimentos do pontinho. Quando o ônibus parava nos pontos eu aproveitava pra lutar com alguma letra do out-door, ou com alguma pessoa na rua, ou pegar ( imagináriamente) algum objeto, reabastecer energia e vida, pulando em cima dos desenhos de coisas nas placas e propagandas... Enfim, vale a capacidade de ser criativo e imbecil de cada um.
Então quando eu cansei, eu marquei o lugar onde eu parei de jogar e salvei a fase, pra no outro dia continuar dali. Hahaha (ria, por favor)
Isso é extremamente idiota ( o auto-ataque é melhor defesa), mas eu só reparei depois de brincar, quando senti que estava sendo meio que observada. Não me aguentei e tive que rir sozinha, imaginando a cena pra quem vê de fora e não entende a a brincadeira. Ainda que fui discreta, agora imagina uma pessoa que se empolga na parada e começa a fazer barulhos com a boca, levanta e senta para manobras radicais, se empolga de verdade.

-Crendios pai, olha aquilo, deve tar possuido.

E tem mais, dá pra até desenhar seu personagem na janela se não se contentar com uma manchinha em forma de bichinho, aueha. Tipo com acessórios, armadura e pá.

E se o motorista for pé de chumbo, ae o jogo é mais complicado, seus movimentos e reflexo terão que ser rápidos. he-he
Por favor se alguém tentar fazer isso no ônibus, deixe aqui seu comentário, me xingando, ou não, sobre a revolucionária experiência !

Garanto que esse é um bom exercício pra testar sua paciência e imaginação. ;x

P.S.: A foto foi montagem de minha autoria. No paint. Incrível né? Eu achei. u.u
Prestando homenagem ao hilário e idiota Jim Carrey. ^^ ( noossa, ele não vai nem dormir hoje, tamanha a felicidade.)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

A verdade sobreposta

Desisto, sento na cama e me deparo em frente ao espelho, mas o que eu vejo ali, refletido naquele vidro, não sou eu.

Intimista me olha, cabeça baixa, parece que bufa, vigilante, quer atacar.

Eu estou aqui, observando, na beira da cama, dividida entre o que sinto e o que vejo. O que vejo, é minha imagem, parece também estar me observando, e o que sinto, diz que algo me observa sim, mas o que ele aparenta é apenas uma máscara: a minha.

Por um momento a imagem se destaca e tudo refletido ao redor parece brilhar e pulsar. É como se estivesse em uma transformação quântica, energética, ou extra-física. Então o que a princípio era uma dualidade, duas realidades opostas, um delírio talvez, em seguida se revela apenas uma única verdade. A verdade é que as oposições se sobrepõem; a realidade que eu desejo é manchada pela qual agora eu vejo através do espelho.

Não sou eu, mas faz parte do que eu sou.

Parece ser um monstro que se apropria de mil formas. Monstro da desgraça, se alimenta do medo e dos vícios, produzindo cada vez mais aquilo que consome. De repente minhas dores ganham sentido, elas vêm dessa dimensão obscura, são resultados da inércia, que não é minha, mas que age em mim. E são alimentados por este, que agora me observa.

Minha visão então sai do foco, se embaça por um instante, parece que se interioriza e no momento seguinte torna a estabilizar. Parece não haver mais nenhuma presença, é mesmo meu reflexo frio que voltou ali fixar, ninguém mais bufa do outro lado, por enquanto. E eu sei que voltará, recolheu-se da consciência, para nos confins do inconsciente repousar, me acompanha, da mesma forma como a maioria das pessoas parece ser acompanhada.

É essa presença pesada, perturbadora, e muito bem disfarçada, que incomoda, descontrola e alastra sutilmente a loucura entre os homens e mulheres, cujos quais de geração a geração cegamente a sustentam, sem perceber que por trás das imagens e de todo sentimento, há um reflexo sinistro. São monstros que arrastam muitos para o poço escuro e detestam ser descobertos.

-Descubra-o - sussurra o espelho.

É de madrugada, não consigo dormir.
Eu, saturada, talvez esteja apenas com os sentidos confusos, ou então o espelho tem razão, que toda essa confusão, seja na verdade uma alerta - despertar da escuridão e ver enfim que o que vive dentro de nós é uma inconsciente prisão - e não delírios apenas.

sábado, 17 de julho de 2010

Voltando para casa...

Essa é uma sensação mágica, tão conhecida, mas também tão distante da memória.
Eu cresci e esqueci como é me sentir assim.

Enquanto subo as escadas, é como se as lembranças submergissem à luz da consciência, cada vez mais, degrau por degrau.
As árvores ao redor, o silêncio e o ar gelado desse lugar vão me envolvendo profundamente, não se trata apenas de uma casa, não é apenas um quintal, nem é somente uma mata que o circunda, é na verdade, para mim, um outro universo.

As vozes e os barulhos da rotina vão se afastando rapidamente à medida que me aproximo daquilo que à um tempo foi a minha vida, uma vida de alegria, mistérios e descobertas: o lar da minha infância.

Não sei bem como explicar, parece que algo mais profundo está acontecendo, o sol brilha diferente aqui, é morno e acolhedor, não é mais aquele sol agressivo do qual tanto eu fujo. Venta forte, venta suave, incrível como sempre venta aqui. As árvores e toda a mata, no seu eterno balançar, folhas que farfalham quase como o som das arrebentações no mar. O movimento das copas formam uma orquestra, são ondas velejando, uníssonas, na harmônica integração da natureza.

Cruzo a varanda, abro a porta, pesada, antiga. Quantas vezes a abri num solavanco, correndo com passinhos curtos de criança, gritando pelo pai e pela mãe, para contar eufórica a desgraça do vizinho, ou chorar em desespero o corte que ganhei no tombo que levei.

Todos os móveis, todos os cantos dessa casa me conhecem. Eles me observam simpáticos, de braços abertos me cumprimentam receptivos, devem estar pensando : olha quem voltou, e como cresceu!

Mais uma vez subo escadas, enroladas em caracol, uns anos atrás elas pareciam tão grandes, agora mal passo por entre os dois corrimãos.
Estranha é sensação de entrar naquele quarto, também parecia ser muito maior.
Caminho lento, invocando inconsciente discretas lembranças de menina.
Abro as janelas, teias de aranhas se rompem, o vento entra, me atinge, me rompe também. A paisagem invade os olhos, me rouba o ar. Tudo lá fora parece brilhar, cintilam luzes, espalham cores. E quantas cores... Nunca havia percebido a quantidade de cores que pulsam da mata, só de verdes parecem ser milhares!
Lembro-me das tantas vezes em que me imaginei pulando daquela janela alta, num impulso tão grande que me fizesse voar veloz por entre as arvores, explorando a profundeza verde, densa e misteriosamente cheia de perigos, que jazia ali. Até leões imaginava saindo da escuridão úmida da floresta.
Deito na cama, era onde dormia minha mãe, esse era seu quarto. Ela tinha poderes mágicos e me disse certo dia que foi o quarto que a ensinou muito desses poderes. Talvez agora ele também pudesse me ensinar...

Cama gelada, meio úmida, suave cheiro de bolor. Tudo aqui parece ser úmido e embolorado. Quem sabe eu pudesse trazer vida e movimento aquela casa novamente.
O ar entra e circula. É o mesmo ar no qual corvos voam sobre o teto, e ele trás algo para mim. Parece carregado de sentimentos, ou melhor, parece carregado de essência. Entra pelos meus pulmões, expande meu corpo e me diz que esta é a essência do que sou.
Uma paz profunda me toma, é um momento impagável, a vida me trouxe ali novamente e me mostra o que é realmente indispensável.
Soa como um convite. Um convite para abrir as portas e janelas da casa-infância que reside em mim e em todos nós, e deixar esse vento circular, varrendo todo o bolor impregnado nos sentimentos reprimidos.

Quando eu estava confusa, procurando desesperadamente saídas, uma pessoa me disse para parar e cultivar a minha essência. Por um tempo eu me perguntei qual era ela, e sem respostas certas, comecei a me dedicar e assumir as coisas que me fazem bem, escrever é uma delas. E devo dizer que deu certo, a confusão se transformou em algo produtivo!

Então o destino quis que eu voltasse a morar no lugar em que mais me traz inspiração. E no momento em que deitei na cama, o vento me atingiu e me fez sentir tão nítido a tal da minha essência, cuja qual acredito que seja a essência perdida de todo ser humano.

Respiro profundo, solto o ar com alívio e grata sorrio: - sim, meu lar, acho que estou voltando...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Janela Fantasma



Estou atrás da janela, observando.
Daqui de cima, nessa sala vazia, eu não sou ninguém. Não há ninguém aqui para me lembrar qual é o meu nome, nesse momento, faço apenas parte de uma janela.
Vejo crianças, pré e pós-adolescentes, posso ver cada aluno ali, e posso ver todos ao mesmo tempo. Muitos circulam pelos pátios, muitos correm atrás de bolas pelas quadras de esporte.

Garotas, sentadas, fofocando, debruçadas no parapeito, rindo, brincando, correndo atrás de garotos,.
Garotos jogando, se empurrando, se chingando, rindo, brincando, correndo de garotas.
A menina dos cabelos louros, jogados sobre um ombro, de óculos delicado, parada ali, com cara de Julieta, esperando que algum Romeu enfim enxergue sua beleza, sua delicadeza.
Ela é bonita, mas nenhum Romeu liga, há muitos e muitas ali para se reparar apenas em uma, eles querem apenas correr e se divertir.
Mas ela espera...
Há muitas Julietas que esperam ali e há muitas Julietas que esperam em todos os cantos desse mundo...

Essa é uma escola grande, de muitas janelas e de dois andares. Escola velha, rústica, de mil oitocentos e sei lá quanto, imagino quantos fantasmas devem viver ali...
Penso se que há alguém lá em baixo me vendo aqui. Alguém que está ali no meio da agitação, parado, em silêncio, apenas observando e se perguntando o que aquela pessoa estava fazendo atrás da janela, feito uma estátua, e talvez esteja imaginando que eu também seja um fantasma.
Talvez esse alguém tenha razão...

Vejo um ou outro escorado pelos cantos da escola, inexpressivos, de olhares perdidos, parecem tristes e deslocados. Talvez estejam se perguntando o que estão fazendo ali e talvez sejam daquelas pessoas cujas quais são taxadas de nerds ou fracassadas nesses filmes americanos, sabe?
Não, não, acho ninguém me vê aqui, quem naquele turbilhão olha para cima e repara em uma janela em meio a tantas outras?

Há uma faixa no vidro da janela, parece um defeito, toda vez que meu olhar passar por ali, a imagem lá de baixo se distorce, fica dupla, embaçada.
Então eu brinco. Olho daquele ângulo e escolho alguém lá em baixo para distorcer. Acompanho seus movimentos, e ela se torna a única distorcida na multidão.
Pergunto-me então como é sentir-se um deformado no meio da multidão.

Bate o sinal, mais parece um toque de recolher na detenção. O professor aparece, recolhe as bolas, algumas crianças reclamam, outras gritam de alegria, enfim o dia terminou.
Chega de aulas!
O formigueiro se agita, as formigas correm pegar seu material. Observo os corredores, repleto de deslocados e super-locados. Despedem-se, se empurram,saem em grupo fazendo bagunça e saem solitários de cabeças baixas.

Achei alguém deformado, perdido no corredor. Observa o movimento ao redor, tenta sem êxito participar daquele fluxo. Não estou olhando através da faixa com defeito, há mesmo alguém ali, baixinha, de rosto feio, ossos largos, olhos miúdos, óculos largo, meio torta. Esperando ser vista.
Gostaria de dizer a ela, que agora eu estou a vendo...
Ela reconhece alguém vindo em sua direção, é uma mulher de mais idade. Sorri um sorriso torto e desce cuidadosa a escada, meio capengando, e descoordenada vai-se embora de braços dados com sua possível e única amiga, e ao que se parece; sua mãe.

Muitos já foram embora, mas as vozes e os gritos ainda ecoam.
Hormônios, tédio, histeria, falta de atenção, tudo junto e bem misturado, ou quase.
Vejo a faxineira no segundo andar, fumando, num canto, com a vassoura do lado, silenciosa, introspectiva. Em que problemas estará pensando... Provavelmente também está aliviada, porque o dia acabou. Chega de limpar!

Aos poucos o povo se dispersa, e o silêncio discretamente se instala. As janelas do prédio começam a ser fechadas, as últimas varridas são dadas. Apagam-se as luzes, fecham-se as pequenas e grandes portas e os que carregam consigo os molhos de chaves dizem até amanhã, sobem em suas bicicletas e enfim vão embora.

O tempo fecha, escurece rápido, o vento zune perdido naqueles pátios vazios. Não há mais barulho ali, não há mais ninguém.

Na verdade eu já fui embora a dois parágrafos acima, isso quem me contou depois foi à própria janela da qual eu observava.
Disse que desde que foi construída ela vê aqueles jovens ali, ano vem, ano vai, velhos saem, novos entram, mas todos os dias eles fazem a mesma coisa. Apesar da aparência alegre e jovial, se parecem com fantasmas, os fantasmas da escola, perdidos no labirinto da mesmice hereditária.
E assim como todos, aquela janela, todo fim de dia, também diz ‘até amanhã’, só que ninguém a vê, ninguém a escuta e ninguém a responde.

Vai ver, até ela, mergulhada na rotina de seu nada-ser, não passa além de mais um fantasma...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tiraninhos


Vejo você resmungando ofensas enquanto anda. Pisa forte, bate portas, quer se impor.
Por de trás da porta escuto meu nome, em seguida xingamentos, reclamações, em tom cada vez mais alto, só para me provocar.
Sei que você se contorce de ressentimentos, contra tudo, contra todos, e sinto que quer jogá-los nas costas de alguém, quer culpar, quer ter razão, quer descontar, quer humilhar, assim como fizeram com você.
Já me importei demais, já respondi, retruquei, apanhei. Já me remoí em ódio e também já quis descontar em alguém.
Desejei que você sofresse, que você morresse, e olhe que não foi só uma vez.
E me perguntei aos prantos por quê Deus nunca te castigava.
Ele me castigava quando eu saia da linha, mas nunca a você.
Qual é seu segredo? Se alimenta do ódio alheio, quem sabe, fonte inesgotável...
Já quis te matar.
Isso soa assustador, mas é a pura verdade, nas brigas eu desejava mergulhar sem dó aquela faca de açougue em você, te ver banhado em sangue, se escorrendo, impotente, te olhar de cima, cheia satisfação e cínica, assim como você é, dizer impiedosa: quem é o ser insignificante agora, hein?
Já planejei tantas vinganças, queria fazer você pagar por todo sofrimento que fez a nós, queria que você nunca tivesse existido, que nunca tivesse entrando em nossa vida.
Mas sabia que eu nunca faria nada. Sabia que não era impulsiva e inconseqüente o suficiente para por em prática todos meus planos cruéis.
Ou não era cruel o suficiente.
Então eu batia portas, chutava cadeiras, socava o travesseiro, gritava, chingava e saia correndo.
Você era o inimigo.
Mas o tempo passou, não me sinto mais aquela vítima, você não mudou, mas eu mudei.
Eu cresci, amadureci, descobri tantas coisas, e você só envelheceu.
Essa sua máscara, essa sua pose de jovem não engana, seu status não vale nada, você está velho.
Velho por dentro, e logo por fora.
Não consegue mais me atingir, suas ofensas não mais me alcançam, agora fala com as paredes, ninguém mais te escuta, ninguém mais quer estar ao seu lado, não sei se já percebeu, ninguém mais diz que te ama.
Acho que o único que te ama verdadeiramente, ainda, é teu filho, mas ele é novo, nem falar sabe. Quando ele crescer e ver enfim quem você é, aí, até o amor dele você pode perder.
A não ser que você mude. Não que eu acredite nisso, mas eu não gostaria de ver ele se decepcionando tanto em perceber que o pai que ele admira, não existe.
Nunca te vi chorar, mas acho que quando você se der conta no que se transformou, e no que fez aos outros, lágrimas infinitas irão rolar.
Esse não é mais um desabafo, não são ressentimentos que me movem. Essa é uma carta. Uma carta que eu nunca te entregarei, pois é tarde pra você.
Mas um dia talvez ela seja lida por seu filho, um dia ele entenderá que as pessoas são fracas, e que seu pai não foi nenhuma exceção. E que infelizmente, ele terá que construir seu próprio exemplo, pois espelhar-se em alguém que se deixou tomar pelos defeitos, ele não merece.
Apesar de tudo eu agradeço, não a você, ao destino, que te trouxe em nossa vida, aprendi muitas coisas, cresci por dentro e ganhei um único e lindo irmão...

E essa é também uma carta que eu dedico a todos os tiranos desse mundo, tiraninhos eu diria, porque os grandes tiranos, ah, esses até idolatrados são, são lembrando durantes gerações, ficam marcados na história, acho que morrem satisfeitos com seus feitos.
Mas os tiraninhos não. Tiraninhos atormentam a vida de todos ao redor, são egoístas e crueis e são incopetentes em quase tudo, morrem solitários, mal amados e tão logo são esquecidos.
E para os que são atormentados por essas pessoas eu digo para não embarcarem nesse jogo. Esse é um jogo de um lado só. Não se enganem.
Não há coisas pior para tiraninhos do que não ter ninguém a quem ofender, além de que essa delicada convivência pode se tornar um grande aprendizado a ser levado e aplicado por toda vida...
Eu aprendi.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Seu melhor amigo

Fim de tarde, muitas nuvens, sem trânsito, poucas pessoas, de preferência ninguém, quem sabe um destino, nenhuma pressa, nenhuma preocupação, nem quente, nem frio, vento.

Ás vezes o dia está assim, estranho, tudo ao redor parece mergulhado em silêncio e solidão, uma calma e vastidão reina sublime. Mas para ele, esse é o dia perfeito para sair de casa.

Enquanto caminha lento pelas ruas largas e vazias, uma acolhedora sensação de calma e paz invade e o envolve ao todo. Sente que quando não há estranhos ao redor, as casas, as árvores, os pássaros e cada traço que compõem o cenário daquela cidade se sobressaltam, cada detalhe fica incompreensivelmente especial e encantadoramente vivo.

Quando não há automóveis fazendo constante barulho, pedestres transitando apressados, olhares maldosos ou curiosos, aquele rapaz se sente livre para tornar-se novamente um menino, andar degustando de cada passo avançado, parar abruptamente e ali ficar observando qualquer inseto que estivesse a voar, tentar subir nas árvores da calçada, ou até mesmo deitar tolamente no meio da rua, sentindo o calor do asfalto esquentar-lhe confortavelmente as costas.

Se quiser pode até imaginar que é a última pessoa do planeta terra.

Não sabe ao certo se essa mania é uma coisa boa ou ruim, mas também pouco o importa, vivera o suficiente para saber que cada pessoa tem sua esquisitice, essa é só mais uma de suas peculiaridades.

Gosta de pensar que não é o único em suas preferências, que há pessoas, perto ou distantes que também se divertem em uma rua vazia, que não precisam de agito ou euforia para sentirem-se plenamente felizes.

Ele apenas precisa encontrá-las...

Se você é uma delas, peço que entre em contato com esse rapaz, creio que vocês podem ser grandes amigos.

Talvez você já o conheça, mas se não, e se quiser conversar com ele:

Aqui você pode encontrar esse rapaz!

( Juro que não é vírus !)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ciclo de vida

Estranho é o ser humano.
Durante meses ele vive o paraíso de sua existência, dentro da barriga de sua mãe.
Lá ele tem tudo o que em vida ele poderia querer; conforto e proteção. Desprovido de ambições e pensamentos, ele apenas se afoga no prazer de nada precisar fazer, e isso incrivelmente não lhe dá tédio.
Envolvido por um casulo de calor e amor, sua missão é apenas ali estar até que chegue sua hora de vir ao mundo.
Então essa terrível hora chega.
A indefesa criatura é arrancada da sua mais pura fonte de vida, mãos frias o puxam sem dó, tirando-o a força do único lugar em poderia querer estar, cujo qual ele logo desejará inconsciente e incansavelmente estar novamente.
Seu lar calmo, pequeno e escuro é substituído por um mundo vasto, barulhento e irritantemente iluminado.
Em breve sua mente crua estará cheia de monstros, complexos e traumas.
A conhecida escuridão que a pouco era calmaria para ele, logo será sinônimo de medo, perigo e solidão.
E a solidão com tempo se tornará umas de suas maiores e desconhecidas inimigas.
Nela ele projetará seu horror visceral do envelhecer e da morte.

Sua única companheira certa até os últimos dias, será sua eterna insatisfação por um dia ter que deixar de existir.

Carregando esse fardo, o ser homem irá crescer, se desenvolver; irá conhecer muitas coisas que as outras pessoas tem a lhe oferecer, boas e ruins, e muito pouco de tudo o que a natureza, sem pedir nada em troca, tem a lhe dispor.
Com o peso dos anos, aquele que um dia foi apenas uma ingênua fonte de necessidades, se tornará um jovem revoltado que sabe pouco de poucas coisas e acha que sabe muito de tudo. Esse jovem ansiará por liberdade, e por muitas coisas que ele se achará merecedor de ter, mas que injustamente lhe parecem tão distantes.
Procurará outras saídas, quebrará padrões e desejará amargamente não ser como seus pais.
Esse jovem será julgado, e será chamando de imaturo. Então o mundo apontará o dedo em sua cara e lhe dirá implacável: VOCÊ NÃO É MAIS CRIANÇA, CRESÇA!

E ele cresce.

Em meio a obrigações, compromissos, futilidades e necessidades, sua revolta jovial rapidamente se perde, e seus ousados ideais de vida e futuro logo se dissipam, sobrando apenas um adulto preocupado e acomodado.
Esse adulto casará, terá filhos, usará religião para estar mais acomodado do que nunca, se entupirá de parafernálias e se matará de trabalhar para pagar as infindáveis contas.
Sua vida se tornará monótona e rotineira, suas relações se tornarão complicadas, e como todo adulto passará a vida se esforçando para seguir os padrões, tornando-se, por isso, uma pessoa insatisfeita e profundamente frustrada.
Então quando se dá por si, o ser humano, que um dia já foi uma criança cheia de energia, envelheceu.

A cada dia, um pouco da sua vida se ia com o pôr-do-sol, e infinitas possibilidades presentes eram desperdiçadas a cada nascer de sol.

Na velhice, o ser estagna quase totalmente. Sua saúde se definha, a cada mês uma nova doença e a cada semana novos remédios. Aceita sem resistir que seu corpo aos poucos o abandone, e também não se importa que sua mente se entregue às leias da inércia. Não há mais filtro para suas emoções e seus ressentimentos vêm aos montes.
Então sobra um velho, débil, frágil e ranzinza. Cheio de ignorância e mesmices.

Eis que certo dia aquela que é tão temida e indesejada vem o visitar; a morte.
Fatalmente ela sorri para o ser humano, assim como para todo ser vivo.
No ato final, o homem presencia seu dia mais intenso, sua vida pareceu eterna, mas nesse instante ele vê que tudo não passou um lampejo no céu.
Mergulhado na mais profunda solidão, ele suspira pela última vez o alívio de enfim, retornar ao útero de sua grande progenitora: a Energia Mãe.
O Universo, o Cosmos, ou Deus, como assim o preferir chamar.

Mas e seus filhos?
Seus filhos, netos, bisnetos, ah, é só voltar ao início da história...

A não ser, que você queira escrever um novo texto.
Uma nova história.
Uma nova vida.
O final será sempre o mesmo, não adianta se iludir, ela sempre vem. Mas ninguém precisa passar seus dias reescrevendo a mesma e velha chatice tão conhecida por tantas gerações.
Ninguém é eterno pra se dar o luxo de deixar sempre a desejada mudança, por menor que seja ela, para amanhã...

Não era em jargão, nem lição de moral, que eu queria terminar o texto, mas pessimismo cansa.
Cansa também tentar resumir, tentar comer palavras e espremer frases, porque a maioria das pessoas tem preguiça de ler mais do que uma página ( eu sei que provavelmente você rolou a página pra ver o tamanho do texto, tudo bem, eu também faço, mas sinceramente, eu me envergonho disso).
Cansa ouvir tudo e todos ao redor gritando em desespero por mudança e atitude, e sentir impotência por nada poder fazer. Então eu tento.
E não é nada o que eu faço, mas estamos sempre tentando fazer valer nossos medíocres esforços. Muito medíocres por sinal.

Então aqui vai uma canção, que particularmente me toca bastante. São os resquícios de uma juventude passada, aquela dos nossos pais, cheias de ideais, mas que como quase sempre acontece, se esvairiu com o passar dos anos...

Como nossos pais (Belchior)

Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...

Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...

Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...

Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...

Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais...


( Música na voz de Elis Regina, canta com o coração )
http://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw&feature=related

P.S.: Fica aqui meus parabéns, a quem leu sem rolar a página, não se preocupando se o texto é longo, isso é um sinal de nem tudo está perdido...:)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Eterno entardecer




Ele iluminava tudo ao redor.
Raios mornos atravessavam o pára-brisa, enquanto em despedida o sol descia lento, cada vez mais na periferia do horizonte.
A estrada era de terra, seguindo em frente o carro deixava para trás poeira flutuando em rastro pelo ar.
Ar quase virgem, bruto e puro de interior.

Em volta longas plantações, e densas matas que surgiam nas extensões.
Não havia prédios, movimentos, barulhos, pessoas, e nem o desespero ansioso do dia-a-dia.
De brusco havia apenas o sacolejo do automóvel que, desajeitado, pulava sobre buracos e pedras, indo sem rumo, sem obrigações ,sem anseios, nem destino certo. Trilhando apenas sobre a terra fértil, um caminho sereno contra o sol.

Ao tocar os pés no chão vermelho rubro, uma onda de calmaria me envolveu. Foi como se toda aquela luz em volta, como se todo azul do céu se abrisse em mim, assim como uma mãe abre os braços para acolher um filho seu.
Lembrando agora, mesmo estando tão distante daquele lugar, se fecho os olhos, ainda sinto o calor acolhedor do fim de tarde me invadir da cabeça aos pés.
As sensações ficaram enraizadas na memória, e ao revivê-las é como estar lá novamente, de frente pra toda aquela imensidão, sentindo toda aquela luz entrar.
Então eu avanço contra a plantação, corro impulsionada por uma vontade íntima de fugir e me libertar.
Sem receios, me lanço adentro de um caminho desconhecido, talvez imprevisível, e ainda assim, não havia ali, perigos reais ou imaginários que naquele momento pudessem me segurar.

Abruptamente eu freio, observo ao redor, não há mais limites.
Eu estava só, mas não estava vazia.
Tudo ao redor transpirava vida.
Agacho-me, sumindo entre as plantas de soja, e ali, eu senti que não era nada mais importante do que aquelas simples plantas.
Eu as observei de tão perto, que quase as senti fazendo parte de mim.
Era como se elas sussurrassem algo ao meu ouvido, não eram palavras, nem tinha lógica; era uma canção constante, igualmente simples e autêntica. E aquilo me fazia sentir tão grata e feliz...E conflitos não existiam ali...

Mas eu voltei.

Eu tive que dizer adeus, tive que aceitar tudo aquilo apenas como um momento tão breve quanto aquele pôr-do-sol. Belo e pleno, mas que em seus últimos raios alaranjados, teve enfim que se esconder por sob os morros frios e distantes.
Por que eu tive que ir embora?

Mais do que tudo eu quis viver ali, eu quis acordar e dormir todos os dias com aquela sensação, agito e tédio não tinham lugar naquele equilíbrio.

Mas eu tive que voltar!

Antes de partir, ao contemplar as cores do entardecer, desejei profundamente que tudo aquilo partisse junto comigo, que eu pudesse levar tudo dentro do meu coração.


Ás vezes em meio ao tumulto das rotinas, eu fecho os olhos e visito minha plantação.
Imagino o mesmo sol se pondo e levando consigo toda essa minha ansiedade.
Nessas horas percebo que o paraíso está dentro de mim e não são quilômetros que cobrem a distância entre nós. Eu mesma me distancio, constantemente esqueço daquilo que justamente me faz tão bem.

Acho que nós todos nos esquecemos...

Ainda assim, espero lembrar-me de visitá-la tantas e tantas vezes, correr livre entre as plantas e sentir suas inaudíveis canções.

E o dia em que eu tiver que partir, juro, quero que seja nesse mesmo lugar;
de braços abertos, a sentir o calor do sol me levar;
para sempre além...

domingo, 23 de maio de 2010

Trem solidão

Sentia-se estranha, estava estranha.

Alguém ao seu lado contava uma história triste, de início até ouviu. Era sobre uma mulher pobre, num casebre velho, seis filhos, dos quais cinco eram pequenos e uma era retardada mental. Essa passava dias e noites num quarto, sentada, olhando para o chão, vinte e quatro anos, calada, sem vida...
Aquilo a atingiu, triste pensou na decadência em que o ser humano é capaz de chegar.

A história continuava a ser contada, mas aos poucos as palavras ao seu ouvido iam perdendo sentido, o sentimentalismo e a compaixão foram se ofuscando em seu interior e o sofrimento alheio, se distanciando, ia se tornando cada vez mais e mais alheio.
Logo sua mente estava vazia, aquela pessoa continuava a falar, mas eram palavras distorcidas que entravam e saiam por seus ouvidos. Queria prestar atenção, mas um sentimento angustiante tomara conta de seu coração, ele estava sendo esmagado.
Por dentro se contorcia, agonizada com aquele silêncio oco e escuro tomando conta de si.

Estavam sentados em um banco na rodoviária, esperando o próximo ônibus das dezenove horas. Ela gostaria de conversar, de ser agradável e sentir-se bem, mas não conseguia. Naquele instante ela queria apenas deixar de sentir aquilo, nem que para tal tivesse que deixar de existir. Com os olhos fixos no ar, não reconhecia mais nem quem estava ao seu lado, a pessoa amada que lhe contava histórias ali, agora era só uma impressão na periferia da visão que falava coisas sem sentido. Apenas conseguia se concentrar naquilo que parecia ser sua alma em desespero.

Então, ouviu a turbulenta maquinaria se aproximar num estrondo crescente. Não era o ônibus, era o trem.

Vinha com a força arrazante da combustão, ferro correndo contra o ferro.
Mesmo com um gigante de passagem a poucos metros em sua frente, não conseguiu se desligar de si. Com a atenção ainda no vazio, ouvia os berros vaporosos vindo da cabine de comando, avisava que o trem estava passando; vagões infinitos desfilando sobre os trilhos.

Fechou os olhos, desejando amargamente que, junto com o barulho, todo seu ser fosse arrastado para longe; seguiria o trem, qualquer que fosse seu destino.
Desejou com uma força desesperada, que sua consciência corresse, adentrando na mata, em velocidade sobre os trilhos, sem conflitos, sem vazio.
Queria tornar-se um viajante, queria tornar-se o próprio trem.
Queria, sobretudo, a todo custo, se livrar daquele sentimento lacerante.
Acreditou que se desejasse com tamanha intensidade, talvez, o impossível pudesse acontecer.

Abriu os olhos, o trem havia passado e o barulho se distanciava melancolicamente.

O impossível não aconteceu.

Ela ainda era ela.

E o vazio ainda estava ali.

Que fantasia boba, pensou, não havia mesmo como fugir...

Resignada suspirou discreta, virou a cabeça, voltando-se a quem a acompanhava. Tudo não passara de um instante, eterno e perdido na confusão do ser e do não ser.
Viu ali um rosto querido que ainda contava-lhe algo que o havia emocionado. Pensou então, que ele nem imaginara que por um ou dois segundo ela quis abrir mão de tudo e se entregar. Pensou o quão chateado ele iria se sentir caso ela, que tantas vezes servira exemplo de conduta, se entregasse assim, esquecendo de tudo, por causa daquele sentimento, insano e volúvel.

Teve pena dele, pelas tantas vezes que ela se distanciara, e pelas tantas que ela ainda iria se distanciar. Esforçou-se um pouco para dar-lhe atenção, queria ouvir. Talvez assim se esquecesse daquela constante agonia.

Quando o ônibus chegou, se despediram. A porta já ia se fechar, então ela entrou apressada e ele ali ficou.

Sentada, ainda o viu pela janela, quis acenar enquanto o ônibus dava a ré, mas dando as costas ele já havia tomado seu rumo, disfarçando no andar seguro a dor da solidão.

Lembrou-se da garota retardada, dias e noites sentada num quarto, sozinha. Ironicamente lhe ocorreu que talvez elas não fossem tão diferentes assim.

Então, confusa, estranha e igualmetente débil e solitária ela se foi...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Tagarelando


Quando me aproximo do ponto de ônibus, a primeira coisa que desejo é que não esteja ali nenhum conhecido meu.
De manhã a última coisa que quero é ter que ficar respondendo perguntas bestas de " como vai a faculdade?" "Como está sua mãe?" " e o namorado?", tendo que embarcar em papo furado de pessoa que não consegue suportar em silêncio suas débeis idéias.

- Ok, em parte é TPM.

Bom, esse foi mais um dia de sorte, só havia estranhos ali.
Cheguei, me enconstei no muro, ajeitei a pesada mochila no chão entre meus pés e me preparei para tirar uma cochilada antes do ônibus estacionar.
Contudo nem meu exacerbal sono pôde contra a tirania da falação alheia.
Uma senhora ao meu lado, tagarelava incansavelmente com outro senhor; seu amigo, marido, estranho, irmão, não deu pra saber. Isso porque o pobre coitado não falava um 'A' em resposta a mulher. Apenas aquiescia, as vezes com um 'uhum', 'éé' ou 'aham', os olhos fixos nela, não sei se estava em outro planeta, ou realmente escutando aquilo tudo.

A velha estava de costas para mim, não pude ver seu rosto, mas pela entonação da voz, parecia assumir uma indignação emocionada enquanto falava:

-... E o médico falou que a única saída para meus olhos agora é só com célula tronco!
A operação me custaria muito dinheiro! Eu disse que eu sou uma humilde trabalhadora de idade, teria que gaanhar na loteria para não ficar cega! Ganhar na loteria!

Seu discurso se estende por um tempo, e quando achei que ia sossegar, ela recomeça na contrapartida.

-...Meus olhos podem ficar cegos, mas Deus me deu meu olfato e minhas mãos, chorar eu não vou! Tenho mãos e com elas batalho todos os dias para continar viva!
Acredita que ele veio e me perguntou ainda se eu tinha diabete?? Disse que se minha saúde estivesse mal, a situação se agravaria mais rápido. OOnde já se viu!! Só por que a gente é assim troncuda ,gordinha, já ficam achando que é diabete, que é doença, que a gente se esbalda em comida.
Pois saiba, eu falei pra ele, que eu me cuido muito bem, me cuidei a vida toda. Preso pela minha saúde, não tenho nenhuma doença!

Já havia desistido de me encomodar e curiosa acompanhava a história dramática que a senhora baixinha gesticulava com as mãos ao bradar emocionada.
Eis que se vê chegando lá no fim da rua, o nosso ônibus esperado. Me desencosto, visto minha mala, separo o dinheiro da passagem, me posicionando para rumar à roleta e o cobrador.
A senhora e os outros no ponto fazem o mesmo, se ajeitando para embarcar.
Então antes que o onibus pare totalmente a velha vira a cabeça, e ocasionalmente posso ver metade de seu rosto. Reparo na pele, é clara-rosada, conservada e limpa, com rugas discretas, realmente parecia que seu cuidava bem. Reparo nos olhos, usava óculos de lente, mas não pude identificar se suas íris aparentavam cegueira ou não, gravei apenas o olhar perturbado dela, como se ainda estivesse bradando indignações caladas, continuava o descurso para si mesma.

Subimos.

Uma hora e meia depois eu desembarco, distraida atravesso a rodoviária e uma praça, só então percebo que caminho logo atrás do mesmo casal que conversava no ponto.
Vejo que ela continua a falar, dessa vez com o braço engatado no braço do senhor alto de olhos azuis ( e um chapeuzinho de pescador na cabeça), automaticamente volto a prestar atenção na conversa, diminuindo o rítimo dos passos afim de continuar atrás deles.

-...E o médico falou que ela tinha síndrome do 'ninho vazio'. Que ela se sentia triste e insatisfeita porque seus filhos todos tomaram seu rumo e foram embora, casaram e agora tem suas vidas. E ela continua lá sozinha, e por isso ficava tão mal e tem que tomar seus anti-depressivos.

Eu pensei- minha nossa, só fala de doença.

-...E eu disse pra ela: eeeu??? eeu não tenho tempo pra ficar doente. Não tenho tempo pra me sentir triste e muito menos ficar em depressão! Meus filhos também foram embora, mas eu preciso acordar todo dia disposta, eu preciso todo dia ir batalhar pelo pão de cada dia!!

Nessa parte eu associei a imagem da bunda quadradona dela que estava na linha dos meus olhos, ( pois estavamos subindo uma rua alta) com o 'pão de todo dia' e sem querer imaginei ela comendo, se entupindo de pão, enquanto na mesa, continuava o mesmo monólogo indignado dela sobre doenças&doenças.

Então, nossos caminhos se bifurcam. Eu me separava deles, mas ainda pude ouvir pela primeira vez a voz do senhor que acompanhava, a interrompendo:

-Será que é por aqui mesmo o caminho?

É, acho que ele nem a ouvia.

Segui a trajetória lembrando de pessoas cujas quais se pareciam muito com aquela senhora; reclamam, reclamam, falam de suas doenças, falam das doenças alheias, falam de Deus, falam de batalharem, falam de gratidão e se duvidar até sozinhas elas continuam com seus discursos bestas.
Mas se você conseguir olhar bem nos olhos dessas pessoas, só se vê desalegria e hipocrisia.

Só agora me dou conta de que o que vi nas orelhas do senhor eram aparelhos de audição. Fiquei pensando comigo, se ele não os havia desligado e concordava apenas por costume ou educação.
Porque francamente para conviver com alguém assim, só sendo surdo mesmo.

Como já diziam os chineses, e acrescentando aqui: quem muito fala de desgraças, pouco faz de bem...

domingo, 16 de maio de 2010

Engolidos




Também sinto esse vazio...

Acho que todos o deviam sentir. Pena que a maioria prefere se intupir de distrações e auto-afirmações para não se deparar com esse buraco negro dentro de si.

As pessoas depositam tanto nelas mesmas, se dedicam tanto a emoldurar e admirar suas identidades, que acabam criando pavor de mudanças e novidades.
Acredito que elas tem medo de ser engolidas. Tem medo de perceber, que tudo o que acreditam ser, afinal, não passa de pó.

Também deixei ele me engolir, passei por uma onda de questionamentos e uma depressão muito íntima. No ápice desse turbilhão me perguntei se isso algum dia passaria. Se estar só, e estar rodeada, significaria em grande parte sentir-se insatisfeita e vazia.

Sim, volta e meia ainda sinto isso, mas acho que não é algo que me encomoda mais, não tanto.
Vejo que assumir esse vazio interior foi essencial para dar abertura às mudanças que se seguiram.
Eu não quis tapar os buracos, eu quis descobrir a fonte daquele sentimento. Então me sentei, me encolhi e me afundei em mim mesma.
As perguntas submergiram numa profusão torturante, eu tinha quinquilhões de perguntas , queria respostas, mas não sabia onde procurá-las.

Percebi que as perguntas tiveram função de me empurrar, foram e são solavancos para me fazer perceber o que sou e como as coisas são realmente.
Hoje compreendo muitos aspectos que me eram confusos antes, encontrei respostas e as quero continuar encontrando ainda por muito tempo.
Ainda tenho muitas perguntas e espero compreender muito mais ao longo da minha vida.
Não estou atrás da verdade absoluta, estou atrás do que me faz bem: compreensão.

Creio que todos os que desejam uma mudança, nem que seja lá no fundo, chegam a um ponto decisivo cujo qual são impulsionados a assumir de vez e viver segundo essa nova forma, ou viver negligenciando e adiando cegamente o que mais envolvente temos dentro de nós: o desapego.

Não tenhamos medo de nos arriscarmos,afinal, a morte é certa para todos nós.
E não há idade para se dar conta disso.

Nossos vazios são um chamado, parece contradição, mas não tentemos preenchê-los...

Saibamos questionar nossas mentes, enfrentar nossos medos e seguir nossos corações!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Parada brusca

Hoje passei boa parte do dia pensando em que escrever.
Dentre os intervalos dos afazeres diários, eu andava na rua reparando ao redor, narrando internamente os acontecimentos e as pessoas que mais me chamavam a atenção.Normalmente eu faço isso quando quero inventar alguma história, mas nesse caso não conseguia organizar as palavras e nem botá-las no papel. As idéias pareciam forçadas, faltava algo de espontâneo, não me eram convincentes, nem estimulantes.

Já havia passado a tarde toda e minhas tentativas desesperadas haviam sido frustradas, saí da faculdade pegar ônibus na rodoviária, iria para casa, mas ainda tinha a esperança de que a viajem viesse a me ofertar algum momento, cujo qual eu pudesse usar para produzir algo que me agradasse.
Tentei, tentei, mas ainda assim não adiantava, tinha mil idéias pra montar textos, mas nenhuma fluía naturalmente. Já estava saturada de espremer meu limãozinho medíocre e desisti. Abri meu livro e fui curtir a inspiração dos outros.

Uma hora e meia depois chego no meu ponto de descida, dessa vez parei num ponto mais afastado do de costume para pegar um pertence que havia esquecido em um lugar onde estive no dia anterior.
O fato é que minha mochila estava pesada pra chuchu, tinha dentro o notebook, livros e caderno. Meu pescoço doía, as costas reclamavam o diabo e eu andava meio curvada pra equilibrar o peso, uma beleza só.
Já era noite, e no caminho para casa eu acabei mergulhando em pensamentos e me desligado da tensão no corpo. Cobranças mentais começaram a ressurgir, e eu me deixei embarcar numa onda de dúvidas, argumentos, auto-diálogos, enfim, todas essas coisas que nos surgem sem controle e que todos conhecemos muito bem.

Não quero ficar aqui descrevendo o conteúdo do meu enigma pessoal, mas para não obscurecer demais posso dizer que lamentava por ter abandonado aos poucos algo que estava tentando dedicar-me, não foi desistência proposital, mas ainda me cobro por não persistir. Em outras palavras, eu dizia pra mim mesma, aqui em uma analogia: eu tenho um carro para puxar, mas o freio de mão está engatado, e pra ajudar, estou tentando puxá-lo com um mísero fio de linha! Obviamente o carro não vai sair do lugar e a porcaria do fio ainda vai arrebentar, eu sei disso, então, porque me cobro tanto por não conseguir? Como posso resolver isso? Há outra forma de fazer esse carro andar?

Eis que subitamente e inesperadamente, no auge dos meus questionamentos, sinto um travão me fazer parar com tudo. Demorei alguns segundos para submergir da minha mente à superfície do meu entendimento, até me tocar enfim do que havia acontecido. Foi um vulto escuro que passou ao meu lado, e enquanto me perdia na minha habitual distração, uma mão estranha segurou firme e repentinamente no meu braço. O impacto do puxão me assustou tremendamente, foi muito estranho; um momento eu estava dentro de mim, e no outro, algo me puxou violentamente para fora. Alguém que vinha na posição oposta, ao cruzar comigo, agarrou meu braço e me puxou para trás freando-me bruscamente.
No choque, um milhão de possibilidades passaram por meu sub-consciente, senti medo e surpresa; um estranho me abordara tão ousadamente. Só que então, ligeiramente, a nuvem escura, que me impedia de ter clareza da situação, se dissipa diante de meus olhos, junto com meu medo e eu consigo reconhecer enfim a pessoa que agira dessa forma impulsiva.
Era um antigo conhecido e amigo, que por conta das atuais condições do cotidiano, quase não o via mais.
Então, igualmente ligeiro, do susto passo a me sentir aliviada por reconhecer ali um rosto seguro e familiar.
Tudo isso se passou numa fração de segundos, mal deu tempo para notar as mudanças repentinas dentro de mim, foi um turbilhão de pensamentos e sentimentos que aparentemente se resumiu apenas em um súbito puxão.

-Minha nossa! Que susto você me deu!

Nos cumprimentamos e rimos da minha própria cara. Conversamos um pouco apenas de passagem, trocamos piadinhas, nos despedimos e cada um voltou a seguir seu caminho. Foi um encontra inesperado e agradável, meus pensamentos mudaram completamente de rumo, voltaram-se ao recém-encontro, andei um pouco sem perceber a brusca mudança no meu diálogo interno. Ao repassar despercebidamente nossa conversa, só então assimilo a primeira coisa que ele me disse, cuja qual no momento mal ouvi, pois ainda estava sob efeito da adrenalina que o travão me deu.

-Você tem que parar de andar olhando para o chão.

Ao me dar conta disso, algo em mim se estalou e me incitou a recordar o que estava pensando no momento antes de ser bruscamente interrompida. Sim, era sobre meu tal enigma.
Eu me perguntava quase numa súplica, como devia levar a situação, o que afinal eu devia fazer.
Então, de repente, tudo pareceu ter um segundo significado, sublime, mas muito real.
Naquele segundo, quando me perguntei o que fazer, uma mão inesperadamente me parou, aquilo para mim não foi meu amigo, no momento sequer tinha sido uma mão ali, demorei pra ver que aquela força tinha uma forma, que aquela forma era uma mão, que aquela mão tinha um dono, e que aquele dono era meu conhecido.
No presente instante, foi apenas algo inexplicável me arrancando de mim mesma. E, avaliando a seqüência daquilo, uma sincronia pareceu surgir, trazendo magicamente uma resposta para minhas perguntas: Pare de olhar para o chão- ele disse- é isso o que você tem que fazer- uma intuitiva voz complementa.
No meu interior essa resposta foi se solidificando, como se alguém explicasse o significado do que acabara de acontecer- Olhe ao redor, preste atenção no que está acontecendo, ao invés de ficar observando o curto caminho que os próprios pés fazem, deixe que eles sigam por si só. Não deixe ser pega distraída, PODIA MUITO BEM NÃO SER SEU AMIGO ALI.

Pode parecer viajem minha, mas para mim isso fez um sentido tão... Sólido...Tão apalpável...Aceitável...Não...Pff... Me fugiu a palavra agora.

Um sentimento de descoberta e felicidade me apossou e eu senti satisfeita comigo mesma por ter captado o significado daquilo, por não ter feito daquele momento apenas um encontro ao acaso de ‘oi‘ e ‘tchau’. E, sobretudo, grata a essa força misteriosa que vive nos mostrando as saídas para o que procuramos, mas que quase nunca as vemos cruzando bem ao nosso lado, justamente por estarmos tão distraídos conosco mesmos.

Percorri contente os metros finais do meu caminho, degustando o prazer da descoberta e pensando comigo mesma para não esquecer mais de ‘levantar os olhos do chão’.
E por fim, ao abrir o portão, pensei que afinal, sendo isso pira da minha cabeça ou não, eu teria de qualquer forma sobre o que escrever nessa noite.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O que sou...

Meu pai;
Minha mãe;
As pessoas que cruzaram em meu caminho;
Aquelas que hoje andam ao meu lado;
E todos os outros que um dia farão parte da minha vida.

As experiências de vida, os risos com os amigos, os choros de angustia, de raiva, de tristeza;
O silêncio da alma;
O amargo calar da obediência;
O alegre gargalhar do meu irmão;
Os pássaros naquela praça;
O garoto correndo na rua.

Aquele que observo e que por um momento me leva para longe do meu corpo...

A repressão, a repulsa, o nojo;
O medo, a inércia, a loucura;
O amor pelo próximo e o carinho para com os que me fazem bem...

O desejo de extravagar e o desejo de sumir.

A música preferida, o som que envolve e me rasga em sentimentos;
O constante ressurgir do passado, o arriscado por vir do futuro e o sincero transbordar do presente;
As mudanças, as minhas e as do mundo;
A necessidade de ser reconhecida;
O impulso de queimar as minhas coisas;
A vontade de gritar o vazio do peito;

E o medo da morte...

O tédio das coisas conhecidas;
A procura do desconhecido;
E a aventura para o inalcançável...

A esperança, as dúvidas, a decepção;
O desespero e todos os outros sentimentos que pulsam de mim;
Os traumas, os bloqueios, os erros e a insistência;
Tanta coisa...

O centro, o ego e a eterna agonia de oscilar entre os dois.
Os meus limites e o desafio de superá-los.

Essa sou eu
Esse é você

Não tão diferentes assim,

é o que somos:

todas as possibilidades em um só.

domingo, 25 de abril de 2010

Os anjos foram embora!


Eu bem que tentei resumir, mas qual é a graça de reclamar se não pode contar tudo, não é mesmo? ;X

Incrível como algumas vezes pequenos incômodo podem te deixar a um nível altíssimo de irritação, sem deixar de transformar a situação em algo ridiculamente cômico.
Para mim é comum passar por isso principalmente durante a noite, quando a necessidade de dormir se torna torturante diante do um constante e crescente desconforto,cujo qual me impossibilita ter um sono realmente agradável.
Bom, para elucidar melhor do que estou falando tentarei narrar justamente a noite de ontem...

Tudo começa no momento em que me deito e me ajeito na cama a espera de um ronco celestial. É normal ficar pensando freneticamente em mil coisas aleatórias quando se deita, isso é para mim, um procedimento rotineiro até pegar no sono. O problema é quando no meio da profusão dos pensamentos eu percebo que há uma música tocando.
- Oh, que chick, tem até trilha sonora.

Ah, sim, imagine você um filme tocando a mesma música durante as suas duas longas horas de duração. Pior, tocando só o refrão dessa mesma música. Aliás, duplamente pior, imagine que essa música é uma daquelas que você ouve nessas rádios porcaria de dez em dez minutos ( e por mais que você mude de estação, ela sempre volta a tocar ), daquelas que sempre tem um vizinho chato ouvindo pelo menos uma vez por dia ( e muita das vezes cantando desafinadamente alto ).
Acho que não preciso nem ficar elucidando muito essa situação, porque ao que sei todo mundo passa por isso de ficar com a mesma música na cabeça, um, dois e até três dias direto...
Confesso que nem sempre o protagonista desse terror mental é um “Rebolation’’ da vida ou uma daquelas músicas gospel ( que chega a virar até pagode ), cuja qual nem sei o nome, mas que magicamente sei cantar até de trás pra frente: entra pra minha casa, entra pra minha viidaa, mexe com minha estruturaa, cura todas as feridas,láráláámemataa!!
Ás vezes é até uma música que eu gosto, mas que depois de horas repetindo ela quase sem parar, eu passo infelizmente a odiar.

A três dias atrás, por exemplo, ficou uma do Pink Floyd, dia e noite, e não sumiu mais ( só de mencionar agora, a desgraçada fica novamente ameaçando submergir do meu sub-consciente ).Inclusive, a música da vez foi ‘Morning Has Broken’ do Cat stvens.
- Ta, ta, to cagando pro teu gosto musical, anda logo com esse porre.

Pois é, a música é maravilhosa, tudo muito bonito, ficar repetindo ela 500 vezes é melhor ainda.
Então viro de um lado, viro de outro... Não, não, melhor ficar de costas mesmo. Hm... Puts, não, de lado é melhor. Tá, tá, do outro. Ê merdaa, de costas, de lado, do outro, de bruço, de costas, de lado, do outro...

-Mas putaa que o pariu, essa vai ser uma noite daquelas!
Penso logo, na minha magnífica inteligência intuitiva.

Isso porque além da música torrando a sutil paciência da minha cabeça, não há coisa melhor do que tensão no pescoço na hora de dormir.
Quando isso acontece (quase sempre) eu fico metade da noite virando de um lado para o outro (ta é exagero, mas tem dias que ‘metade’ é até eufemismo) e arrumando travesseiro, tentando achar uma posição que suma com o desconforto.

Ok, vamos colocar os fatos em claro.
Essa era uma noite que eu precisava mesmo dormir. Fui deitar era meia noite, depois de ficar um tempão fazendo exercícios de Bioestatística e estudando a porcaria do DNA. Eu teria uma prova de manhã e uma prova a tarde no dia seguinte, e como tenho que me deslocar de uma cidade a outra para estudar, tenho que acordar às cinco e cinqüenta da matina.
Então o desespero começa a crescer, eu realmente não queria dormir só às cinco e meia e levantar as seis horas pra ir fazer prova e na hora do cálculo ficar rabiscando debilmente Morning Has Broken na folha.

Não lembro o que houve, mas na minha ânsia de dormir eu acabei pegando no ronco lá pelas 2 :30.
Esse é um ponto que devo frisar na narrativa: é a terceira noite consecutiva que tenho sonhos curtos, com enredo besta exercido numa repetição desgastante. Acordo no meio da madrugada achando que o sonho é real, e assim como a música ele fica repetindo na mente várias vezes. É um estado entre dormindo e acordado, estou com um pé no sonho e um pé no desconforto de estar acordada.
O sonho horroroso que me fez acordar ontem, exatamente após apenas uma hora e meia de sono, foi uma coisa idiota, de um blog que eu tinha que atualizar, ou copiar um texto, e que não sei quem não podia ler, ou sei lá o que, não me lembro bem. Só sei que eu ficava virando de um lado para o outro, visualizando mentalmente eu mesma dando repetidamente ctrl+c e ctrl+v nuns textos colorido, acreditando que eu realmente tinha que ficar fazendo uma debilidade dessas.

Depois tanto insistir naquilo, aos poucos fui ficando mais lúcida e logo já estava totalmente fora do sonho. Mas ainda estava com sono e querendo mortalmente dormir.
É ai que eu chego ápice do meu incômodo.

Viro pra lá, pra cá, de costa, de bruço, nada adianta.
Viro o travesseiro, dobro ele, viro de novo, tiro ele- opa, ta melhor!*se passa um segundo* Ah, pff, já voltou a incomodar- então ponho, tiro, ponho e tiro.
O cabelo me irrita quase sempre, toda vez que eu viro ele se enrola na minha cara, no meu pescoço, se enrosca não sei a onde e começa a dar um calor chato. No escuro do quarto, me arrasto da cama e apalpo o chão a procura de meu rabicó, cujo o qual joguei por porto antes de me deitar. Na minha estabanação cega, esbarro nas garrafas de plástico que estupidamente deixo em cima do bidê, por pura preguiça de tirar, ai faz aquele barulho de escola de samba. Murmuro alguma desgraça, mas finalmente eu acho o que procurava. Amarro o cabelo de qualquer jeito e volto a deitar.
Viro , viro, viro, ajeito o travesseiro...Nada.
Aí me bate uma raiva desgraçada, agora o rabicó me incomoda também, arranco ele do cabelo.
Eu já nem tenho muita afeição por meu cabelo, nessas horas em que a revolta é crítica, eu fico tão irritada, que eu quero cortar ele fora. Só não o fiz naquele momento, porque lembrei que ia ter que levantar, acender a luz, abrir a gaveta e procurar a dianha da tesoura, até lá já teria passado o fervor da raiva. Ah, mas se a bendita estivesse ali por cima eu voava nela arrancava essa juba de vez e ainda por cima de tão alucinada, ainda furava meu olho. haaaaaha

Puts que o pariu, viu.

Tem outro lance que me incomoda demais. De noite me bate uma sede do inferno, eu até levo garrafinha com água e deixo no surdo-mudo do lado da minha cama. Sou obrigada a ficar bebericando o tempo todo, e conseqüentemente sou obrigada a levantar para ir ao banheiro de trinta em trinta minutos. Tenho que atravessar um corredor que acende a luz automaticamente toda vez que passo (odeio essa luz), e sempre acabo fazendo barulho suficiente pra perturbar o sono dos outros lá em casa.

Então, mais uma vez volto e deito, me cubro, descubro, lençol, coberta, lençol, bate calor viro de um lado pro outro, cabelo enrosca, muda o travesseiro, sede, vontade de ir ao banheiro, dor no pescoço, sede de novo, banheiro, prova, prova, prova, dormir, dormir, dormir.
Nada adianta.

Sem suportar mais, levanto derrotada para abrir a janela e fazer circular o ar. Está chovendo lá fora, e até isso me irrita, até o adorável barulho da chuva.
Aí desisto de tentar dormir. Como não tenho paciência pra ler nessas horas e não sei o que fazer, vou escrever. Olho as horas, já é cinco e dezoito da manhã, os galos dos vizinhos distantes estão cantando desde as quatro, só faltam trinta e dois minutos para o despertador tocar.

É um verdadeiro Vietnã, eu contra eu, eu contra a cama, eu contra tudo.
Estive pensando, ( eu sempre penso isso mas nunca lembro de fazer ) acho que vou trocar a cama de lugar, ouvi falar que há diferentes energias em diferentes pontos da casa, quem sabe eu fui colocar a cama bem em cima da chaminé invisível da casa do capeta, e ele ta fazendo maior churrascão lá.. He he
Ah, vou fazer ioga tambérm, quem sabe em estado alfa,beta,gama, minha mente sossega.

Só sei que quando eu era criança eu não passava por isso . ¬¬
Acho que porque minha mãe ao dar boa noite ainda dizia ''durma com os anjos'' e eu acreditava.
Anjinhos volteemm, venham ninar meu sono , snif.

Agora, só pra saber, alguém mais aqui passa por isso?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Isolado

Hoje sentei na porta para espairar as idéias e comer uma maçã. Dali eu podia ver toda uma praça e as ruas ao redor dela, poucas pessoas circulavam e quase nenhum carro.
Era uma segunda à tarde, dia agradável, ensolarado, hora em que a maioria está trabalhando.
Comecei a reparar no que estava acontecendo em volta para ver se achava algo interessante que me distraísse enquanto mordia sem pressa a fruta suculenta,nham,nham.
Em questão de segundos minha atenção se deteve em três garotos sentados num banco da praça, pareciam típicos meninos de 13 anos, riam, conversavam expressivos e olhavam ligeiro o movimento ao redor sem prestar atenção em nada.
Passado o momento, meus olhos correram para o banco ao lado, um pouco mais afastado. Estava sentado ali outro menino da mesma idade, porém este era gordo.

Aparentemente parecia estar sobre o tênue limite que separa uma obesidade padrão de uma obesidade mórbida.
Estava sozinho e parecia triste, ou pelo menos melancolicamente introspectivo, coisa que dificilmente se vê em garotos dessa idade saudavelmente agitados.

Então, após observá-los por um tempo, sem querer fui comparando a contradição do que eu via: de um lado, garotos normais, felizes, seguro de si, rindo entre amigos ou falando qualquer bobeira comum entre pré-adolescentes, e, do outro, aquele garoto gordo, calado, isolado, triste e cheio de inseguranças.
A oposição de ambas as realidades me fez pensar o quão parecia cruel esse aspecto das diferenças. Aqueles garotos pareciam tão bem, enquanto que o outro, sem culpa, deve ter nascido em alguma dessas famílias ansiosas que induzem seus filhos desde muito cedo a comer, comer e comer. E mesmo sem querer, acabam depositando suas ansiedades e frustrações nessas novas gerações.

Bom, ali parecia estar um dos resultados dessa educação caótica: inerte, preso em seus complexos, sem a beleza aparente da espontaneidade.

Eis que no meio das minhas reflexões, os três garotos se levantam, mas ao invés de ir embora, apenas vão sentar em outro banco, cujo o qual se encontrava de costas para mim. Provavelmente estavam escapando do sol que batia forte onde antes haviam sentado.
E para minha surpresa, estes fazem sinal para o garoto gordo, falando algo que eu não podia ouvir, mas visivelmente o chamando com naturalidade para juntar-se à eles.

O garoto se levanta e vai em direção, rindo meio constrangido, com a disposição preguiçosa de alguem que obedece uma ordem corriqueira. Vejo sua boca se mexer, respondendo aos outros, trocam algumas rápidas palavras e o gordinho fica em volta deles. Aos poucos voltam a conversar, trocam frases soltas, e o garoto gordo fala alguma ou outra coisa. Então me ocorre afinal que eles eram amigos e estavam juntos. Por um momento chego a acreditar que tudo o que eu havia pensado em relação a diferença entre os garotos, estava errado, precipitado, ou preconceituoso. Que a amizade deles era livre,sem preconceitos, sem exclusão, que transpunha as diferenças físicas, o que aparentemente ou ideologicamente acontece nas amizade entre crianças.

Só que isso durou alguns instantes, tempo suficiente para voltar a perceber que afinal o diferente dificilmente se adaptará ao que aparentemente é normal.
Os garotos são espaçosos no banco e o garoto gordo não pode sentar-se com os amigos, pois não cabe ali. Eles também não fazem o mínimo esforço para oferecer um espaço ao colega.
Este acaba ficando em volta, e tão logo pára de participar da conversa. Anda pra lá e pra cá, procurando um lugar para se sentar por perto, tenta nos arcos de ferro que separam o gramado da praça, mas o famoso 'cofrão' fica a aparecer e incomodado se levanta. Enfim senta-se no chão , encostado numa palmeira atrás do banco, se ajeita ali e parece escutar o que dizem, as vezes rindo discreto, tenta participar da conversa mas sua voz não se impõem o suficiente, então volta a se afundar em sua apática introversão.
Novamente vejo que por um momento me enganei com pensamentos ingênuos de igualdade, de fraternidade, aceitação das diferenças, quéco, quéco, quéco e coisa do gênero.

Sim, ele estava junto, mas continuava de certa forma, sozinho.

Passaram um tempo ali e enfim decidem ir caminhar. O gordo levanta desajeitado e passa a segui-los andando ao lado. Os três trocam tapas e chutes leves de brincadeira enquanto andam, ele ri sem extravagância, mas ninguém dá tapas e chutes no garoto gordo, por quê? Ele apenas olha e ri, num distanciamento de quem é tímido demais pra participar.

A culpa dessa exclusão não parece ser dos garotos distraídos e nem do garoto gordo que não consegue se envolver nas brincadeiras... Então, comigo eu me pergunto: a culpa é dos seus pais? ou dos pais dos pais? A culpa é da sociedade? dos padrões que ela impõem? A culpa afinal é de quem?

A quem poderíamos culpar, para justificar o triste ar de vítima que aquele pobre garoto tem?

De quem ele é vítima?

É, a crueldade da realidade pode ser sublime, mascarada, mas existe. Existe dentro de cada um.

Talvez, aquele garoto seja muito novo para entender, mas quem sabe um dia, quando ele deixar de sentir tristeza e passar a sentir revolta por ''não ser como os outros'', ele possa perceber que afinal, não se pode culpar a ninguém por isso.
Creio que os únicos culpados, afinal, somos nós mesmos, por aceitarmos passivos o papel ridículo de vítimas...

Aos poucos vejo se afastarem os quatro naquela relação parcialmente mútua de descontração.
Desejo em pensamento que aquele triste garoto um dia possa ser assim também, não por um momento, mas dentro de si, de si para si, descontração íntima e mútua...

Dou a última mordida, mastigo e engulo.

Não sei mais o que pensar.

Levanto, me estico e entro para escrever.