segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O tempo, seus sentimentos e o sofá vermelho

Você vem correndo com passos fortes e afobados de um inocente injustamente julgado, e agora fugitiva sobre o sofá vermelho se joga, como quem em desespero quer sumir, mas não sabe para onde ir.

Então te vejo chorar, lágrimas de desamparo te escapam dos olhos arrependidos e escorrem sofridos por tua pele envelhecida. Escuto tuas lamúrias, enquanto isso na parede ao lado o relógio dita o tempo, que irreparável se perde no pulsar dos segundos, dos minutos, das horas, dos dias, dos anos e de toda sua incerta vida.

Envolvida e afundando nos seus pensamentos de vítima, deita-se com seu longo vestido preto e dobra-se como um feto desprotegido. E assim, meio inconsciente, lamenta aos prantos o funeral da sua essência e a morte do seu próprio presente.
Este que lhe atormenta, condenado pelos anseios e erros do passado e subjugado pelas inevitáveis conseqüências que te esperam no futuro.

Sinto que os ponteiros devoram insaciados a vivacidade de sua alma e a polidez de seu corpo. E já não há passado glorioso para qual, em memórias, você possa escapar. O presente avança para o futuro a cada instante, e toda alegre surpresa de viver se perde em meios a devaneios de sua mente mórbida.

O tempo devora sua vida e sua mente devora a você, ao passo que, seus olhos escorrem em águas salobras e impregnam sua face com a quentura úmida dos seus sentimentos...

Enquanto isso, na parede ao lado...

Tic-tac
tic-tac
tic-tac...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

blá blá blá

A sala é gelada e o professor dita física. Palavras organizadas, idéias sensatas e o bem polido embrulho científico aos poucos vão perdendo a solidez, o sentido se dissipa e a forma se deforma até resultar num distorcido blá blá blá.
Força de Atrito, Força da Gravidade, Força Motriz. Me vejo triste, cansada, sem energia, sem vida.

Então imagino um lugar onde eu possa me sentir bem. É um suave som de piano que vem se encorpando. Em minha alucinação aquele velho piano quebrado e esquecido no canto da sala ganha vida, e o ar de sua graça me faz sorrir. Pois enquanto aquela boca muda, cheia de razão, articula as velhas e chatas teorias, floreadas com fórmulas decoradas de livros embolorados, ouço a bela música que toca ondulante navegando pelo ar.

Surge uma floresta densa e úmida... Não, úmida não, seca.
Uma floresta bem espaçosa e seca, repleta de árvores com folhas amarelas, vermelhas, verdes e azuis. Um chão de terra forrado com folhas coloridas que se quebram em som crocante ao pisar sobre elas.
Deito sobre esse chão e sinto o cheiro da madeira ao redor, observo o céu amplo e limpo, enquanto feixes de luz atravessam as copas e iluminam meu corpo, tornando-o quente e agradável.
Eu relaxo, agradeço silenciosa e durmo profundamente.

Acordo feliz, levanto, me estico, caminho lento entre as plantas, descubro uma área mais aberta. Há um poço ali, fixado bem no centro do lugar. Atravesso a extensão, me aproximo e debruço em sua beirada, sinto a pressão do tijolo frio em meu peito, meu coração pulsa contra essa superfície; coeficiente de atrito.

Então deixo meu corpo se desequilibrar e cair na escuridão do seu interior. Poço a fundo eu me afundo, leve, rápida, calma e feliz. A força pesada da gravidade age sobre meu corpo, mas é ausente no meu coração.
No momento do impacto, abro os olhos, a escuridão é invadida por um clarão angustiante, é a lâmpada; luz forte, irritante, constante.

Ainda estou na sala, o professor também, e dita:

“ ...Móvel A percorre distância X...

...Sofre força contrária no ângulo tal... “

Meus olhos pesam.

“...Perdendo impulso inicial...

...Vai entrando lento na floresta...

...Amarelo, vermelho, verde e azul...

...Folhas que se quebram...”

E o som do piano novamente vem vindo...

“...Blá blá blá...”

...Suave em ondas volta a compor a música que, embalando meu sono, sobre a carteira e o caderno me faz dormir...