sábado, 14 de agosto de 2010

Presente de Vento - Parte I



Odiava andar nas ruas, olhar para os lados e só ver vitrines. Ver roupas, moda, padrões, superficialidades e um consumismo absurdo enchendo a cabeça de todo mundo.
Ver pessoas cheias de estilo, ornamentando seus corpos com idéias de si mesmos que são vendidas ali na esquina, a quem puder comprar.
Pessoas que, apesar de dois olhos, não enxergam que por trás de toda beleza e conforto vendido por esse sistema há escravidão, pobreza e desgraça. E que há gente mesquinha e ordinária, também muito bem ornamentada, cedendo infames por mais vendas e lucros.

Pois se elas vissem como eu via e sentissem como eu sentia. Olhariam para os lados, e ao invés de ficarem atraídas, ficariam enojadas.

Então eu fugia. Queria esquecer toda falsidade estampada nos sorrisos das propagandas, de toda mesquinharia, hipocrisia, culpa e desespero impregnado nos outros e inclusive em mim.
Corria até a beira-mar e até lá eu me incomodava, eram bêbados caídos pelo chão, arrastando-se como restos de gente, gente que aceitou se entregar a qualquer merda na vida.

Afastava-me o quanto mais; subia no trapiche que se estendia sobre o mar e lá enfim eu me dissolvia em prazer. Eram o fim de tarde, as montanhas, o mar, o sol se recolhendo e todas as cores refletindo. Eu sentava, deitava, e sentia a brisa arrancar de mim todo sentimento de revolta. Meus olhos naquele momento me traziam paz pelo que eu via, e não mais agonia.
A solidão ali era a companhia mais agradável e meu único lamento era saber que logo eu teria que voltar...

Minhas manhãs eram quase sempre iguais.

Abria os olhos, e a claridade que entrava no quarto me fazia querer fechá-los novamente, ela parecia me mostrar tudo o que eu não queria ver.
Era um novo dia, e eu já acordava cansada. Cansada de tudo o que eu já sabia que veria e passaria ao longo do dia, de todas as coisas que eu já tão bem conhecia. Até a bagunça no quarto me perturbava logo cedo, eu o vivia arrumando, mas parecia nunca ficar limpo. Não era a sujeira, eram todas as quinquilharias sobre as estantes, livros e revistas que eu não lia.
Gostaria de um dia acordar e nada ter ali, acordar sobre o chão frio; o vento teria levado tudo embora e deixado para mim somente a aventura de viver cada dia sem nada nos bolsos, e nem linhas nas mãos.
Apenas a vida, nada mais.

Certo dia, sem aviso, e nem nada, eu acordei e nada havia ali.

Abri os olhos e tudo continuava na mesma escuridão. Esfregue-os, mas nada.
Eis que intuitivamente compreendi; aconteceu que dormi com a janela aberta, o vento me visitou e o que ele levou embora consigo, foi a minha visão.
Não acordei sobre o chão frio, foi uma forma estranha de atender meus pedidos silenciosos.

Continuei deitada, absorvida por aquela sensação totalmente nova. O que me atingiu não foi desespero, não gritei e não saí correndo às cegas. Limitei-me a ouvir os pássaros a cantar, fazendo da minha manhã um show de sons nunca antes por mim percebido, se quer admirado. E sorri humilde diante da bela ironia, a surpresa de um presente inesperado fez da minha manhã o começo de algo realmente novo...

4 comentários:

  1. essa historia é real ? realmente legal e tem um toque poetico nela , muito bom

    ______________________________________
    http://blog-do-binao.blogspot.com/

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  2. Parabéns pela história bem bacana...


    :D se for de autoria própria c tem talento...

    bjs

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  3. Sempre surreal, né, Carol? Haha, mas para falar a verdade, este é um dos seus escritos em que eu mais vi a realidade. Senti a crítica contra o sistema, contra o igual, contra o padrão. Assim como pude notar a angústia da personagem que, para se livrar de tudo que a cerca e a enoja, deveria se ver jogada no meio da floresta, quase.

    O que a espera agora no mundo, quando o vento lhe tirou a visão? Quem sabe? Estou indo para a parte II. Hahaha!

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  4. O mundo é cheio de contrastes mesmo. E se fosse diferente, não seria tão interessante vivê-lo.

    Gostei do seu texto, refletiu bem.

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