domingo, 22 de agosto de 2010

Presente de Vento - Parte III



Voltei para casa em tão perfeita harmonia, que não havia desgraça em volta que me atordoasse.

Eu observava tudo com uma imparcialidade alegre, poupei minha mente das críticas, que afinal, eram em vão. A medida que eu caminhava fui compreendendo que apesar de todos os pesares, essa é a sociedade na qual eu nasci, e muito provavelmente na qual morrerei. Compreendi que eu não devia me apegar tanto e almejar com desespero uma "nova era", pois ela dependia de toda sociedade e muito poucos estavam dispostos a sacrificar seus velhos costumes. Talvez viver em prol desse ideal, mas não esperar com tantas espectativas por sua realização.

Toda insatisfação dentro de mim distorcia as coisas ao redor, me fazendo perder de viver pequenas maravilhas que aconteciam o tempo todo e que não dependiam de nenhuma lei de oferta e procura, e nem tinham a ver com vendas, mesquinharias ou lucros.

Dois pequenos pardais brincam numa poça de água.

Não são apenas pássaros comuns, são duas vidas, dois indivíduos que à morte terão que ceder, assim como eu. Mas cada um deles vive a coletividade com tamanho envolvimento e usufrui das possibilidades de sua própria natureza com tanta fluidez, que nada mais poderiam almejar e por nada poderiam lamentar no momento de suas mortes.
Enquanto eles brincam, vejo que a morte está presente ali, mas isso não os impede de estarem plenos. Talvez porque eles não a percebam, talvez.

Será que a nós humanos, com tanta consciência da nossa mortalidade, podemos viver intensos, plenos e integrados entre nós mesmos e entre a natureza, assim como aqueles pequenos pássaros?

Sinto nesse momento que sim, pois é justo essa consciência de que podemos morrer a qualquer momento, que pode nos fazer plenos a todo instante, como se fosse o nosso último.
Não posso falar em nome de toda humanidade, mas falo por todos que enxergam ou querem enxergar além de como prega a nossa cega cultura.
E a perda foi essencial para que esse bem maior eu ganhasse.

Cheguei em casa, e nada era como antes eu costumava achar que era.
Entendi que se as coisas estavam amorfas, então eu teria que dar movimento e vida à elas.
Os livros e as revistas, todas elas foram lidas, li com gosto, degustando cada palavra, cada informação, cada descoberta, por mais tola que ela fosse com um prazer que nunca antes havia sentido.
Dei sentido a todas quinquilharias, fiz arte com elas, dei vida. Nada mais estava ali apenas por estar, ou porque ninguém mais as tirava dali. Assim, fui abandonando a inércia.

Se olhar as vitrines me faz mal, não as olho mais. Observo o chão, as pedrinhas, os musgos, as formigas. Admiro o céu, me permito voar com as nuvens e com as aves.
Se não há árvores, se não há bela natureza, viajo pelos cinzas dos prédios, pelas fissuras das estradas e reflexos dos vidros.

Qualquer coisa me enche a vista , e se pensar no que eu vejo me revolta, então não penso. Apenas obeservo, e alguma poesia consigo arrancar sutilmente dali.

Redescubro as cores, as formas e os movimentos, misturo, inverto e exploro os sons, decifro e busco os cheiros, me aproximo e experimento através do tato e as degusto quando sempre que é possível. Brinco com tudo, e isso me faze sorrir, me faz feliz.
E se mesmo assim eu me sentir sozinha, busco em minhas preces um amor maior, sem depender de crenças dogmáticas, definições ou religiões. Apenas evoco em mim o sentimento de gratidão por tudo aquilo que me faz sentir viva.

Tanto envolvimento e prazerosa dedicação às possibilidades dos meus cinco sentidos, me trouxe a mágica e misteriosa capacidade de desfrutar e depurar aquilo que chamam de sexto sentido.

Mas essa é outra história...

O que eu queria contar mesmo, eu já contei. Gostaria de terminar aqui, mencionando minhas últimas palavras, com muita sinceridade e boa intenção.
Não espere perder algo para dar o valor que ele merece, pois o que voce perder pode não retornar. Páre de apenas pensar e desejar, olhe ao redor, feche os olhos, ouça o vento, sinta.

Sinta o ar entrar, te renovar a cada inspiração. Se você tem dúvidas, sinta seu coração pulsar e deixe que suas batidas guiem seus pensamentos e seus atos.

Há muita sabedoria dentro de nossos corações, e não há segredos que nós mesmos não possamos descobrir. Só é preciso por insistência e humildade aprender a parar, e os olhos rotineiros fechar, para então melhor enxergar.

Todo resto é consequência...

7 comentários:

  1. eu queria te dar um selo,mais pra isso tenho que receber um então creio que vai demorar rsrsrs.
    mais fique sabendo vc é d+++.

    ResponderExcluir
  2. Amei esse conto, de verdade. A forma em que você descreveu seus momentos de paz me trouxeram uma ótima sensação. Se quando o escreveu, teve esse objetivo, parabéns, conseguiu.
    AS vezes nos falta coragem para nos desprender de coisas que nos fazem mal. Acho que a maioria das pessoas está conformada, acima de tudo, com a sociedade em que vive. Posso citar por mim, que por vezes só faço reclamar, mas quero parar e observar o que há de bom. rs Se faço ou não, é outra história. Digo que melhor é realmente fazer tudo isso que no seu texto foi explicitado, creio que não precisamos ir muito longe pra encontrar inspiração. O sol que brilha aqui, é o mesmo que em muitos outros lugares, só o que muda é a forma de o enxergarem.

    Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Oi Carolina,
    Li a "saga" Presente de Vento e fiquei impressionado, principalmente com a maneira como o processo de mudança é descrito. Desde a constatação da palidez da realidade vivida até a consciencia das infinitas possibilidades de aprendizado que o tempo e o mundo nos oferecem.

    Gostei muito dos seus textos, vou seguir o seu blog, acho que tenho muito para aprender aqui. To seguindo pra roça, o Ser-Tão, amanhã. minha intençao é contar um pouco da experiencia vivida no blog. Lá não tem internet, mas pelo menos de 15 em 15 dias devo ir a cidade, ajeitar umas coisas, e manter os contatos atualizados. daí devo postar alguma coisa. Vou ter bastante tempo para escrever de agora pra frente.

    abraço, continue seu blog, é ótimo!

    ResponderExcluir
  4. Carol, ¬¬° só você msm .. po gostei do seu texto guria e te garanto , vou olhar msm com um olhar diferente pras coisas .. Continue assim Pree , <3

    ResponderExcluir
  5. Oi. Estou te indicando ao selo de escritor virtual. É só copiar a imagem do selo e indicar mais uns 3 blogues. Abraço

    ResponderExcluir
  6. Poxa! O conto Presente de Vento, dividido em suas mágicas três partes foram realmente conquistadoras! Desculpe-me pelo tempo que demorei a reaparecer aqui, mas me faltava tempo para apreciar uma boa leitura com calma. Hora estava escrevendo, hora fazendo o resto dos meus afazeres. A mágica que a narradora passa é tão linda que me faz tentar rever o mundo com os seus olhos. Será que realmente é possível encontrar a felicidade e o ânimo em coisas tão pequenas? Me pergunto após ler alguns dos trechos. Será que existe alguém a se contentar com o pouco e achar ele muito? Me pergunto após ler alguns dos outros trechos. Seu conto é um conto que arranca questões sem respostas, questões que geram brechas para pensarmos abertamente sobre tudo e todos. Já disse, mas preciso refazer a afirmativa: Sua viagem pelo surreal com uma pequena base na realidade é uma literatura deliciosa.

    ResponderExcluir
  7. Adorei, Carolina. Um conto de muita sensibilidade e bilíssimamente(existe? fiquei em dúvida agora) escrito. Parabéns. Me tocou e me fez pensar, principalmente essa parte:
    Não espere perder algo para dar o valor que ele merece, pois o que voce perder pode não retornar. Páre de apenas pensar e desejar, olhe ao redor, feche os olhos, ouça o vento, sinta.

    "Sinta o ar entrar, te renovar a cada inspiração.
    Se você tem dúvidas, sinta seu coração pulsar e deixe que suas batidas guiem seus pensamentos e seus atos."

    ResponderExcluir