segunda-feira, 10 de maio de 2010

Parada brusca

Hoje passei boa parte do dia pensando em que escrever.
Dentre os intervalos dos afazeres diários, eu andava na rua reparando ao redor, narrando internamente os acontecimentos e as pessoas que mais me chamavam a atenção.Normalmente eu faço isso quando quero inventar alguma história, mas nesse caso não conseguia organizar as palavras e nem botá-las no papel. As idéias pareciam forçadas, faltava algo de espontâneo, não me eram convincentes, nem estimulantes.

Já havia passado a tarde toda e minhas tentativas desesperadas haviam sido frustradas, saí da faculdade pegar ônibus na rodoviária, iria para casa, mas ainda tinha a esperança de que a viajem viesse a me ofertar algum momento, cujo qual eu pudesse usar para produzir algo que me agradasse.
Tentei, tentei, mas ainda assim não adiantava, tinha mil idéias pra montar textos, mas nenhuma fluía naturalmente. Já estava saturada de espremer meu limãozinho medíocre e desisti. Abri meu livro e fui curtir a inspiração dos outros.

Uma hora e meia depois chego no meu ponto de descida, dessa vez parei num ponto mais afastado do de costume para pegar um pertence que havia esquecido em um lugar onde estive no dia anterior.
O fato é que minha mochila estava pesada pra chuchu, tinha dentro o notebook, livros e caderno. Meu pescoço doía, as costas reclamavam o diabo e eu andava meio curvada pra equilibrar o peso, uma beleza só.
Já era noite, e no caminho para casa eu acabei mergulhando em pensamentos e me desligado da tensão no corpo. Cobranças mentais começaram a ressurgir, e eu me deixei embarcar numa onda de dúvidas, argumentos, auto-diálogos, enfim, todas essas coisas que nos surgem sem controle e que todos conhecemos muito bem.

Não quero ficar aqui descrevendo o conteúdo do meu enigma pessoal, mas para não obscurecer demais posso dizer que lamentava por ter abandonado aos poucos algo que estava tentando dedicar-me, não foi desistência proposital, mas ainda me cobro por não persistir. Em outras palavras, eu dizia pra mim mesma, aqui em uma analogia: eu tenho um carro para puxar, mas o freio de mão está engatado, e pra ajudar, estou tentando puxá-lo com um mísero fio de linha! Obviamente o carro não vai sair do lugar e a porcaria do fio ainda vai arrebentar, eu sei disso, então, porque me cobro tanto por não conseguir? Como posso resolver isso? Há outra forma de fazer esse carro andar?

Eis que subitamente e inesperadamente, no auge dos meus questionamentos, sinto um travão me fazer parar com tudo. Demorei alguns segundos para submergir da minha mente à superfície do meu entendimento, até me tocar enfim do que havia acontecido. Foi um vulto escuro que passou ao meu lado, e enquanto me perdia na minha habitual distração, uma mão estranha segurou firme e repentinamente no meu braço. O impacto do puxão me assustou tremendamente, foi muito estranho; um momento eu estava dentro de mim, e no outro, algo me puxou violentamente para fora. Alguém que vinha na posição oposta, ao cruzar comigo, agarrou meu braço e me puxou para trás freando-me bruscamente.
No choque, um milhão de possibilidades passaram por meu sub-consciente, senti medo e surpresa; um estranho me abordara tão ousadamente. Só que então, ligeiramente, a nuvem escura, que me impedia de ter clareza da situação, se dissipa diante de meus olhos, junto com meu medo e eu consigo reconhecer enfim a pessoa que agira dessa forma impulsiva.
Era um antigo conhecido e amigo, que por conta das atuais condições do cotidiano, quase não o via mais.
Então, igualmente ligeiro, do susto passo a me sentir aliviada por reconhecer ali um rosto seguro e familiar.
Tudo isso se passou numa fração de segundos, mal deu tempo para notar as mudanças repentinas dentro de mim, foi um turbilhão de pensamentos e sentimentos que aparentemente se resumiu apenas em um súbito puxão.

-Minha nossa! Que susto você me deu!

Nos cumprimentamos e rimos da minha própria cara. Conversamos um pouco apenas de passagem, trocamos piadinhas, nos despedimos e cada um voltou a seguir seu caminho. Foi um encontra inesperado e agradável, meus pensamentos mudaram completamente de rumo, voltaram-se ao recém-encontro, andei um pouco sem perceber a brusca mudança no meu diálogo interno. Ao repassar despercebidamente nossa conversa, só então assimilo a primeira coisa que ele me disse, cuja qual no momento mal ouvi, pois ainda estava sob efeito da adrenalina que o travão me deu.

-Você tem que parar de andar olhando para o chão.

Ao me dar conta disso, algo em mim se estalou e me incitou a recordar o que estava pensando no momento antes de ser bruscamente interrompida. Sim, era sobre meu tal enigma.
Eu me perguntava quase numa súplica, como devia levar a situação, o que afinal eu devia fazer.
Então, de repente, tudo pareceu ter um segundo significado, sublime, mas muito real.
Naquele segundo, quando me perguntei o que fazer, uma mão inesperadamente me parou, aquilo para mim não foi meu amigo, no momento sequer tinha sido uma mão ali, demorei pra ver que aquela força tinha uma forma, que aquela forma era uma mão, que aquela mão tinha um dono, e que aquele dono era meu conhecido.
No presente instante, foi apenas algo inexplicável me arrancando de mim mesma. E, avaliando a seqüência daquilo, uma sincronia pareceu surgir, trazendo magicamente uma resposta para minhas perguntas: Pare de olhar para o chão- ele disse- é isso o que você tem que fazer- uma intuitiva voz complementa.
No meu interior essa resposta foi se solidificando, como se alguém explicasse o significado do que acabara de acontecer- Olhe ao redor, preste atenção no que está acontecendo, ao invés de ficar observando o curto caminho que os próprios pés fazem, deixe que eles sigam por si só. Não deixe ser pega distraída, PODIA MUITO BEM NÃO SER SEU AMIGO ALI.

Pode parecer viajem minha, mas para mim isso fez um sentido tão... Sólido...Tão apalpável...Aceitável...Não...Pff... Me fugiu a palavra agora.

Um sentimento de descoberta e felicidade me apossou e eu senti satisfeita comigo mesma por ter captado o significado daquilo, por não ter feito daquele momento apenas um encontro ao acaso de ‘oi‘ e ‘tchau’. E, sobretudo, grata a essa força misteriosa que vive nos mostrando as saídas para o que procuramos, mas que quase nunca as vemos cruzando bem ao nosso lado, justamente por estarmos tão distraídos conosco mesmos.

Percorri contente os metros finais do meu caminho, degustando o prazer da descoberta e pensando comigo mesma para não esquecer mais de ‘levantar os olhos do chão’.
E por fim, ao abrir o portão, pensei que afinal, sendo isso pira da minha cabeça ou não, eu teria de qualquer forma sobre o que escrever nessa noite.

5 comentários:

  1. O mais engraçado é que quando nos vemos perdidas, sem saber como falar, como agir e como pensar, é aí que nos encontramos.

    Tem vezes que isso o que ocorreu com você, ocorre comigo também. Mas não pelo fato de olhar para o chão, até pq não faço isso, mas pelo fato de não enxergar o que está na minha frente. Eu mesmo olhando sempre para a frente, mesmo vendo todos a minha volta, nem sempre estou enxergando o que de fato é. E me falta criatividade, me falta memória, me falta vontade... de que? De tudo!

    Temos que começar a parar de olhar a pena, seja para o chão, para pessoas, ou até mesmo coisas e começarmos a enxergar de fato o que cada um é.


    Adorei o blog e vim te desejar sucesso no seu novo blog!

    Vanda Ferreira: http://vanda-ferreira.blogspot.com/

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  2. teus textos são muito pessoais e são muito envolventes...
    gosto de jeito como voce passa a sensação do momento (2)

    E eu me identifico muito com o que tu escreve... É dar voz aqueles que não nasceram para o papel principal..

    http://celuliteseoutrasestranhezasdemulher.blogspot.com/

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  3. Textos intimistas são lindos... Parabéns!

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  4. Escreve a intimidade muito bem !
    exelente texto !

    parabéns!

    se der , passa la no apartamento!

    http://apt404.blogspot.com/

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  5. Nossa que lindo. Acho que eu também vivo olhando muito para os meus próprios pés, e isso me tira toda visão do mundo ao redor. E são nos poucos momentos que eu me deixo levar pelo resto do mundo que eu aprendo alguma coisa. Não sei, mas acho que mais que tudo, olhar pro chão é uma forma de me proteger do que eu não gostaria de ver !

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