sábado, 17 de julho de 2010

Voltando para casa...

Essa é uma sensação mágica, tão conhecida, mas também tão distante da memória.
Eu cresci e esqueci como é me sentir assim.

Enquanto subo as escadas, é como se as lembranças submergissem à luz da consciência, cada vez mais, degrau por degrau.
As árvores ao redor, o silêncio e o ar gelado desse lugar vão me envolvendo profundamente, não se trata apenas de uma casa, não é apenas um quintal, nem é somente uma mata que o circunda, é na verdade, para mim, um outro universo.

As vozes e os barulhos da rotina vão se afastando rapidamente à medida que me aproximo daquilo que à um tempo foi a minha vida, uma vida de alegria, mistérios e descobertas: o lar da minha infância.

Não sei bem como explicar, parece que algo mais profundo está acontecendo, o sol brilha diferente aqui, é morno e acolhedor, não é mais aquele sol agressivo do qual tanto eu fujo. Venta forte, venta suave, incrível como sempre venta aqui. As árvores e toda a mata, no seu eterno balançar, folhas que farfalham quase como o som das arrebentações no mar. O movimento das copas formam uma orquestra, são ondas velejando, uníssonas, na harmônica integração da natureza.

Cruzo a varanda, abro a porta, pesada, antiga. Quantas vezes a abri num solavanco, correndo com passinhos curtos de criança, gritando pelo pai e pela mãe, para contar eufórica a desgraça do vizinho, ou chorar em desespero o corte que ganhei no tombo que levei.

Todos os móveis, todos os cantos dessa casa me conhecem. Eles me observam simpáticos, de braços abertos me cumprimentam receptivos, devem estar pensando : olha quem voltou, e como cresceu!

Mais uma vez subo escadas, enroladas em caracol, uns anos atrás elas pareciam tão grandes, agora mal passo por entre os dois corrimãos.
Estranha é sensação de entrar naquele quarto, também parecia ser muito maior.
Caminho lento, invocando inconsciente discretas lembranças de menina.
Abro as janelas, teias de aranhas se rompem, o vento entra, me atinge, me rompe também. A paisagem invade os olhos, me rouba o ar. Tudo lá fora parece brilhar, cintilam luzes, espalham cores. E quantas cores... Nunca havia percebido a quantidade de cores que pulsam da mata, só de verdes parecem ser milhares!
Lembro-me das tantas vezes em que me imaginei pulando daquela janela alta, num impulso tão grande que me fizesse voar veloz por entre as arvores, explorando a profundeza verde, densa e misteriosamente cheia de perigos, que jazia ali. Até leões imaginava saindo da escuridão úmida da floresta.
Deito na cama, era onde dormia minha mãe, esse era seu quarto. Ela tinha poderes mágicos e me disse certo dia que foi o quarto que a ensinou muito desses poderes. Talvez agora ele também pudesse me ensinar...

Cama gelada, meio úmida, suave cheiro de bolor. Tudo aqui parece ser úmido e embolorado. Quem sabe eu pudesse trazer vida e movimento aquela casa novamente.
O ar entra e circula. É o mesmo ar no qual corvos voam sobre o teto, e ele trás algo para mim. Parece carregado de sentimentos, ou melhor, parece carregado de essência. Entra pelos meus pulmões, expande meu corpo e me diz que esta é a essência do que sou.
Uma paz profunda me toma, é um momento impagável, a vida me trouxe ali novamente e me mostra o que é realmente indispensável.
Soa como um convite. Um convite para abrir as portas e janelas da casa-infância que reside em mim e em todos nós, e deixar esse vento circular, varrendo todo o bolor impregnado nos sentimentos reprimidos.

Quando eu estava confusa, procurando desesperadamente saídas, uma pessoa me disse para parar e cultivar a minha essência. Por um tempo eu me perguntei qual era ela, e sem respostas certas, comecei a me dedicar e assumir as coisas que me fazem bem, escrever é uma delas. E devo dizer que deu certo, a confusão se transformou em algo produtivo!

Então o destino quis que eu voltasse a morar no lugar em que mais me traz inspiração. E no momento em que deitei na cama, o vento me atingiu e me fez sentir tão nítido a tal da minha essência, cuja qual acredito que seja a essência perdida de todo ser humano.

Respiro profundo, solto o ar com alívio e grata sorrio: - sim, meu lar, acho que estou voltando...

4 comentários:

  1. Que coisa Linda, C.Beê! Outros diriam: "Carregado de sentimentos", mas como você mesma disse e como eu vejo e sinto: "Carregado de essência". Você realmente tem um jeito singular de escrever e que eu, particularmente, gosto muito! Parabéns!
    Certas lembranças nos fazem acordar para o que realmente somos!
    Beejo! =*

    ResponderExcluir
  2. Ok, me deixe encontrar as palavras e já te digo. hahaha
    Uau! Você escreve incrivelmente bem!
    Adorei esse texto, o brilho que você coloca nele, ele é quase palpável, praticamente tem cheiro e sabor.
    Suas palavras fluem e isso é muito bom!
    Parabéns, adorei seu blog!
    Vou colocar como link lá no meu.
    Beijão.

    ResponderExcluir
  3. NOOOSSA!!! seu texto ficou muito lindo.
    Muito obrigada pela dica,sabe quando comecei escrever no blog eu senti como era grande a minha deficiência no portugues,mais me acomodei,seu conselho me motivou e estudar novamente(em casa claro!),Você tirou uma poesia linda de uma coisa tão comum,e ficou lindo,sinto isso nesse momento em que vou me mudar pra minha casa nova,um desejo que demorou tanto,e agora vai se realizar.bjssssssssss

    ResponderExcluir
  4. Perfeito demaais! Eu sempre tenho essa sensação quando passo ao lado da casa que meu vô morou um dia e que hoje pertence a outra familia.Raramente passo por lá,mas quando passo sinto tudo isso que voce descreveu no texto... Muito incrivel!

    ;)

    ResponderExcluir