segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tiraninhos


Vejo você resmungando ofensas enquanto anda. Pisa forte, bate portas, quer se impor.
Por de trás da porta escuto meu nome, em seguida xingamentos, reclamações, em tom cada vez mais alto, só para me provocar.
Sei que você se contorce de ressentimentos, contra tudo, contra todos, e sinto que quer jogá-los nas costas de alguém, quer culpar, quer ter razão, quer descontar, quer humilhar, assim como fizeram com você.
Já me importei demais, já respondi, retruquei, apanhei. Já me remoí em ódio e também já quis descontar em alguém.
Desejei que você sofresse, que você morresse, e olhe que não foi só uma vez.
E me perguntei aos prantos por quê Deus nunca te castigava.
Ele me castigava quando eu saia da linha, mas nunca a você.
Qual é seu segredo? Se alimenta do ódio alheio, quem sabe, fonte inesgotável...
Já quis te matar.
Isso soa assustador, mas é a pura verdade, nas brigas eu desejava mergulhar sem dó aquela faca de açougue em você, te ver banhado em sangue, se escorrendo, impotente, te olhar de cima, cheia satisfação e cínica, assim como você é, dizer impiedosa: quem é o ser insignificante agora, hein?
Já planejei tantas vinganças, queria fazer você pagar por todo sofrimento que fez a nós, queria que você nunca tivesse existido, que nunca tivesse entrando em nossa vida.
Mas sabia que eu nunca faria nada. Sabia que não era impulsiva e inconseqüente o suficiente para por em prática todos meus planos cruéis.
Ou não era cruel o suficiente.
Então eu batia portas, chutava cadeiras, socava o travesseiro, gritava, chingava e saia correndo.
Você era o inimigo.
Mas o tempo passou, não me sinto mais aquela vítima, você não mudou, mas eu mudei.
Eu cresci, amadureci, descobri tantas coisas, e você só envelheceu.
Essa sua máscara, essa sua pose de jovem não engana, seu status não vale nada, você está velho.
Velho por dentro, e logo por fora.
Não consegue mais me atingir, suas ofensas não mais me alcançam, agora fala com as paredes, ninguém mais te escuta, ninguém mais quer estar ao seu lado, não sei se já percebeu, ninguém mais diz que te ama.
Acho que o único que te ama verdadeiramente, ainda, é teu filho, mas ele é novo, nem falar sabe. Quando ele crescer e ver enfim quem você é, aí, até o amor dele você pode perder.
A não ser que você mude. Não que eu acredite nisso, mas eu não gostaria de ver ele se decepcionando tanto em perceber que o pai que ele admira, não existe.
Nunca te vi chorar, mas acho que quando você se der conta no que se transformou, e no que fez aos outros, lágrimas infinitas irão rolar.
Esse não é mais um desabafo, não são ressentimentos que me movem. Essa é uma carta. Uma carta que eu nunca te entregarei, pois é tarde pra você.
Mas um dia talvez ela seja lida por seu filho, um dia ele entenderá que as pessoas são fracas, e que seu pai não foi nenhuma exceção. E que infelizmente, ele terá que construir seu próprio exemplo, pois espelhar-se em alguém que se deixou tomar pelos defeitos, ele não merece.
Apesar de tudo eu agradeço, não a você, ao destino, que te trouxe em nossa vida, aprendi muitas coisas, cresci por dentro e ganhei um único e lindo irmão...

E essa é também uma carta que eu dedico a todos os tiranos desse mundo, tiraninhos eu diria, porque os grandes tiranos, ah, esses até idolatrados são, são lembrando durantes gerações, ficam marcados na história, acho que morrem satisfeitos com seus feitos.
Mas os tiraninhos não. Tiraninhos atormentam a vida de todos ao redor, são egoístas e crueis e são incopetentes em quase tudo, morrem solitários, mal amados e tão logo são esquecidos.
E para os que são atormentados por essas pessoas eu digo para não embarcarem nesse jogo. Esse é um jogo de um lado só. Não se enganem.
Não há coisas pior para tiraninhos do que não ter ninguém a quem ofender, além de que essa delicada convivência pode se tornar um grande aprendizado a ser levado e aplicado por toda vida...
Eu aprendi.

5 comentários:

  1. Seu texto é pesado( num bom sentido), mas traz muita sinceridade. É realista e me fez pensar. quão pesado deve ser viver assim, desse lado do ódio. Poder escapar é sempre um alívio. Ainda bem que conseguiu, e hoje ainda escreve um texto bom assim, para além daquela fase...
    Sobre a preguiça, rs, é preciso querer resister também para tê-la; o ócio já foi virtude, muito em falta nesse mundo desnecessariamente acelerado, sem sentido, sem rumo. a preguiça pode ser produtiva, ainda que tão pecaminosa nos dias de hoje.
    Valeu pelos comentários. Gostei do teu blog.
    Abraços.

    www.costabbade.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Oi!
    Resolvi encarar seu texto e não me arrependi. Ele é raridade na blogosfera hoje em dia.
    Porque estamos nos deparando a todos os instantes com textos misteriosos e sobrecarregados em metáforas, que se esquecem do simples, da sinceridade, da franqueza. Não que eu não goste de viajar em cima de metáforas, mas às vezes prefiro uma leitura igual a que tive agora: simples e carregada de fortes ideias.
    Afinal, o mais fácil mesmo é encotrar pessoas que navegam na complexidade e passam ideias pueris em seus textos. O seu é o oposto, e isso que o torna raro e gostoso de se ler.
    Quanto aos tiraninhos, na teoria devíamos tirá-los de letra, na prática não é tão fácil assim, aliás, não é nada fácil, e pra quem escreveu um texto como esse, sabe perfeitamente do que estou falando!

    obrigado por visitar meu blog, espero que volte sempre lá ;]
    abraços!

    http://songsweetsong.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. Oie ^^

    Ahn, uma vez me falaram que as pessoas só nos fazem o mal que nós permitimos a elas fazerem.

    Tod tirano, grande ou pequeno depende de aprovações/desaprovações, de qualquer modo alimentamos estes seres quando tomamos partido.

    (posição com relação a uma exposição da verdade de alguem).

    O segredo é a "não-ação" que é diferente de deixar de fazer algo.... mas isso é coisa para outro texto, não para um comentário. É só um adendo...


    =/ nossa não sei se foi coincidencia, mas eu ganhei um exemplar do Mein Kampf. De herança. Já bem deteriorado.

    Niemi

    ResponderExcluir
  4. Maravilhoso!!! Me fez refletir minha relação com meus filhos,em qual tem cido minha postura,ser mãe é muito dificil,e ser padrasto é mais ainda(caso dos meus filhos estou no segundo casamento)Nós não queremos ser tiranos,mas tenho tanto a corigir neles,e meu marido tambem sofre!
    Sei que é totalmente possivel corrigir com amor,mas muitas vezes a decepção com atitudes de nossos filhos,nos fazem perder a cabeça.Eu li pelo menos três vezes seu texto e chorei em todas.eu não quero ver meu filho um dia escrever algo assim,eu morreri por dentro.Muito abrigada!!!!!

    ResponderExcluir
  5. Ana... Poxa, fiquei sem palavras....
    é por isso que escrevo, na esperança de que minhas ralhas experiências, ainda que poucas, sirvam para outros...
    Imagino que seja mesmo complicado, vejo isso lá em casa, mães vivem uma posição difícil, quem vê de fora vive querendo opiniar, sem considerar o tamanho stress que é educar num mundo onde muitos influenciam, desde televisão até estranhos na rua.
    Acho que intenção, insistência e fé, são indispensáveis, não há lição de moral que ajude sem isso. E eu acredito que não te falta isso... Confie em si ^^
    Fiquei muito feliz com seu comentário!
    Beijo!

    ResponderExcluir