segunda-feira, 19 de abril de 2010

Isolado

Hoje sentei na porta para espairar as idéias e comer uma maçã. Dali eu podia ver toda uma praça e as ruas ao redor dela, poucas pessoas circulavam e quase nenhum carro.
Era uma segunda à tarde, dia agradável, ensolarado, hora em que a maioria está trabalhando.
Comecei a reparar no que estava acontecendo em volta para ver se achava algo interessante que me distraísse enquanto mordia sem pressa a fruta suculenta,nham,nham.
Em questão de segundos minha atenção se deteve em três garotos sentados num banco da praça, pareciam típicos meninos de 13 anos, riam, conversavam expressivos e olhavam ligeiro o movimento ao redor sem prestar atenção em nada.
Passado o momento, meus olhos correram para o banco ao lado, um pouco mais afastado. Estava sentado ali outro menino da mesma idade, porém este era gordo.

Aparentemente parecia estar sobre o tênue limite que separa uma obesidade padrão de uma obesidade mórbida.
Estava sozinho e parecia triste, ou pelo menos melancolicamente introspectivo, coisa que dificilmente se vê em garotos dessa idade saudavelmente agitados.

Então, após observá-los por um tempo, sem querer fui comparando a contradição do que eu via: de um lado, garotos normais, felizes, seguro de si, rindo entre amigos ou falando qualquer bobeira comum entre pré-adolescentes, e, do outro, aquele garoto gordo, calado, isolado, triste e cheio de inseguranças.
A oposição de ambas as realidades me fez pensar o quão parecia cruel esse aspecto das diferenças. Aqueles garotos pareciam tão bem, enquanto que o outro, sem culpa, deve ter nascido em alguma dessas famílias ansiosas que induzem seus filhos desde muito cedo a comer, comer e comer. E mesmo sem querer, acabam depositando suas ansiedades e frustrações nessas novas gerações.

Bom, ali parecia estar um dos resultados dessa educação caótica: inerte, preso em seus complexos, sem a beleza aparente da espontaneidade.

Eis que no meio das minhas reflexões, os três garotos se levantam, mas ao invés de ir embora, apenas vão sentar em outro banco, cujo o qual se encontrava de costas para mim. Provavelmente estavam escapando do sol que batia forte onde antes haviam sentado.
E para minha surpresa, estes fazem sinal para o garoto gordo, falando algo que eu não podia ouvir, mas visivelmente o chamando com naturalidade para juntar-se à eles.

O garoto se levanta e vai em direção, rindo meio constrangido, com a disposição preguiçosa de alguem que obedece uma ordem corriqueira. Vejo sua boca se mexer, respondendo aos outros, trocam algumas rápidas palavras e o gordinho fica em volta deles. Aos poucos voltam a conversar, trocam frases soltas, e o garoto gordo fala alguma ou outra coisa. Então me ocorre afinal que eles eram amigos e estavam juntos. Por um momento chego a acreditar que tudo o que eu havia pensado em relação a diferença entre os garotos, estava errado, precipitado, ou preconceituoso. Que a amizade deles era livre,sem preconceitos, sem exclusão, que transpunha as diferenças físicas, o que aparentemente ou ideologicamente acontece nas amizade entre crianças.

Só que isso durou alguns instantes, tempo suficiente para voltar a perceber que afinal o diferente dificilmente se adaptará ao que aparentemente é normal.
Os garotos são espaçosos no banco e o garoto gordo não pode sentar-se com os amigos, pois não cabe ali. Eles também não fazem o mínimo esforço para oferecer um espaço ao colega.
Este acaba ficando em volta, e tão logo pára de participar da conversa. Anda pra lá e pra cá, procurando um lugar para se sentar por perto, tenta nos arcos de ferro que separam o gramado da praça, mas o famoso 'cofrão' fica a aparecer e incomodado se levanta. Enfim senta-se no chão , encostado numa palmeira atrás do banco, se ajeita ali e parece escutar o que dizem, as vezes rindo discreto, tenta participar da conversa mas sua voz não se impõem o suficiente, então volta a se afundar em sua apática introversão.
Novamente vejo que por um momento me enganei com pensamentos ingênuos de igualdade, de fraternidade, aceitação das diferenças, quéco, quéco, quéco e coisa do gênero.

Sim, ele estava junto, mas continuava de certa forma, sozinho.

Passaram um tempo ali e enfim decidem ir caminhar. O gordo levanta desajeitado e passa a segui-los andando ao lado. Os três trocam tapas e chutes leves de brincadeira enquanto andam, ele ri sem extravagância, mas ninguém dá tapas e chutes no garoto gordo, por quê? Ele apenas olha e ri, num distanciamento de quem é tímido demais pra participar.

A culpa dessa exclusão não parece ser dos garotos distraídos e nem do garoto gordo que não consegue se envolver nas brincadeiras... Então, comigo eu me pergunto: a culpa é dos seus pais? ou dos pais dos pais? A culpa é da sociedade? dos padrões que ela impõem? A culpa afinal é de quem?

A quem poderíamos culpar, para justificar o triste ar de vítima que aquele pobre garoto tem?

De quem ele é vítima?

É, a crueldade da realidade pode ser sublime, mascarada, mas existe. Existe dentro de cada um.

Talvez, aquele garoto seja muito novo para entender, mas quem sabe um dia, quando ele deixar de sentir tristeza e passar a sentir revolta por ''não ser como os outros'', ele possa perceber que afinal, não se pode culpar a ninguém por isso.
Creio que os únicos culpados, afinal, somos nós mesmos, por aceitarmos passivos o papel ridículo de vítimas...

Aos poucos vejo se afastarem os quatro naquela relação parcialmente mútua de descontração.
Desejo em pensamento que aquele triste garoto um dia possa ser assim também, não por um momento, mas dentro de si, de si para si, descontração íntima e mútua...

Dou a última mordida, mastigo e engulo.

Não sei mais o que pensar.

Levanto, me estico e entro para escrever.

4 comentários:

  1. adorei teu texto *-*

    http://walkingoncircles.blogspot.com/

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  2. Nós somos aquilo que queremos ser, vemos aquilo que queremos ver! As diferenças existem para serem aceitas e cabe a cada um de nós superar nossas limitações!

    Parabéns pelo texto! Sucesso no blog :)
    Se gosta de moda, tendências e dicas de beleza, me visita: http://hellodivas.blogspot.com/

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  3. Acho que por ele ser como é agora não é culpa e ninguém, mas com o passar dos anos e com a formação da consciência, continuar da mesma forma estando insatisfeito é culá do próprio garoto gordo. Reclamar de si e encontrar culpados é fácil,o difícil é se movimentar pra fazer diferente.

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  4. Legal sua reflexão,é o que penso também,não podemos nem devemos culpar á ninguem,acho que quem é vítima é por que se faz de vítima,vejo tantas pessoas diferentes daquilo que dizem ser o normal,e são tão felizes por serem assim,para elas,elas são normais,por que são diferentes!

    Amei o texto!*-*
    Bjs!

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