terça-feira, 11 de agosto de 2009

O gaúcho e o pinguço

O velho gaúcho, sentado sobre uma pedra, segurando com uma das mãos a bomba de chimarrão e com a outra a cuia, tinha consigo um antigo olhar sem vida que se fixava vazio no movimento da rua durante horas a fio.Como de costume, chegava o pinguço e sentava ao seu lado, ás vezes mais cedo, ás vezes mais tarde, mas nunca faltava. Vinha direto da rua, onde era seu lar, numa eterna ressaca, com a pinga numa mão e a outra apalpando os muros para não ir de encontro ao chão.Sentava no meio fio, ao lado de seu amigo de calçada e após alguns segundos de silêncio iniciava a incansável falação.O velho gaúcho nem ligava, até gostava. Passava o dia sentado ali, em silêncio, ouvindo apenas os escassos barulhos da rua pouco freqüentada. Mas quando chegava o pinguço , ele até sentia mais próximo a presença de vida, por mais decadente que ela fosse, pois ele tossia, escarrava, cuspia, fedia e até chorava quando relembrava sua juventude perdida. Sem dizer nada, o velho gaúcho murmurava uma falsa indiferença e quando estava mais disposto até concordava com a cabeça.Era quase uma valsa, dançada por dois aprendizes tristes e acomodados.Iam assim até o escurecer, entre um gole de pinga e uma bombeada de chimarrão, os dois valsando num ritmo incomum e desordenado, cada um com seu jeito.Ao fim do dia, o velho gaúcho se levantava e com um aceno discreto se despedia, dando as costas para o seu amigo pinguço. Não que desejasse ir embora, por ele, ficaria sentado ali fora o tempo que a vida lhe permitisse ficar. Mas o medo de nunca mais voltar a ver o único amigo lhe obrigava a sair antes, pois o vendo sentado ali enquanto ia embora, dava lhe a impressão de que no dia seguinte ele estaria esperando-o no mesmo lugar.Suas vidas eram assim, tinham o mesmo prazer incomum, o de se encontrarem, talvez o único que lhes restava, com exceção da pinga e do chimarrão. Esperavam a noite toda o novo dia que ainda não chegava, um em casa e o outro na rua. Ambos afundados na mesma solidão.

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